Chega de improviso

por Antonio Machado

Procura-se quem se habilita a fazer aqui o que faz a Índia crescer US$ 1 tri a cada 18 meses

A história de dois colossos emergentes, candidatos a potências superlativas nesta década. O mais tímido está voando, a Índia. O outro, apesar de bocudo, ainda é só uma promessa. Você sabe quem.

Tem a maior carga tributária entre todos os emergentes, mas não muda o que sabe não funcionar. Nesta quinta, 10:30, dia útil, um punhado de pessoas invadiu o saguão do Itaú BBA, na icônica Faria Lima, com cartazes e palavras de ordem bradando “chega de mamata”, “o povo não vai pagar a conta”. E como fazer isso? Num evento em Salvador, um dia antes, o presidente Lula empunhou um cartaz com a mensagem em letras garrafais: “Taxação dos super ricos!”

Se este for o caminho da grandeza, depois de 22 anos de promessas vãs, 16 dos quais sob administração do PT, quando o gasto público jamais cedeu, a carga tributária não afinou, a taxa de juro sempre esteve obesa, quase 100 milhões de pessoas foram incorporadas aos cadastros de transferências de renda ou empregadas pelo Estado, e o desenvolvimento não foi alcançado, vale questionar o modelo.

Discuta-se também, como propõe o ministro da Fazenda do governo, o tamanho das desonerações de impostos, “gastos tributários” pela língua da Receita Federal, mais de dois terços dos quais criados ou ampliados nestes 22 anos e mantidos sem avaliação se a meta do favor tributário foi cumprida e o custo-benefício de mantê-los.

Mas que não percam o propósito: não se tributa apenas para pagar a despesa de manutenção do setor público nem para promover planos eleitoreiros, a razão alegada pela vasta maioria de parlamentares para demolir por 383 a 98 o decreto presidencial que salgava ainda mais as alíquotas do IOF com fim de pagar parte do déficit fiscal.

E o investimento para formar cidadãos, alavancar a produção e a infraestrutura? É o filho enjeitado dos planos de ajuste fiscal, seja o teto de gastos destelhado da gestão passada ou o chamado arcabouço de agora, que sem onerar impostos é um conjunto vazio.

O contraponto com a trajetória da Índia realça nosso descaminho. Um programa de ação econômica criadora de riqueza, mantido há mais de 20 anos como valor nacional sem a forte polarização que divide a Índia em outros campos, é o que importa considerar.

Não temos um plano de progresso inclusivo, temos projetos políticos de poder.

A gênese do descompasso

A falta de direção, que vem desde os anos 1980, o ocaso do regime militar, é a gênese do nosso descompasso. À época, nossa indústria era maior que a da China, hoje manufatura do mundo, e da Coreia do Sul somados, segundo o economista Paulo Gala. Índia, então, só se destacava pela miséria bíblica e a planificação estatal no estilo soviético desde a independência da Inglaterra, em 1947.

O denominador comum à expansão da Ásia como motor do crescimento econômico global é forte senso de nacionalidade, integração social pela educação e emprego, investimento contínuo em manufaturas com viés exportador, expansão de infraestrutura, e impostos e despesas públicas muito baixos em comparação com o mundo desenvolvido tanto em dinheiro corrente quanto em proporção do PIB.

Mais atrasada, sobretudo em relação à China, rival geopolítico, a Índia abandonou a planificação depois de 2004, abriu-se ao capital estrangeiro, colocou o setor privado como parte da formulação dos planos adotados, e investiu em ações de longo prazo. O principal é que tais ações foram mantidas quando a oposição chegou ao poder em 2014 e manteve os pilares da modernização e implantou outros.

A identidade digital única, conhecida como Aadhaar, correspondeu à integração nacional, facilitando o acesso a serviços públicos e privados e benefícios sociais. O imposto sobre o valor adicionado, IVA, totalmente digitalizado, baixou o custo de transações e restringiu drasticamente a informalidade. O que se tem desde então é que o PIB indiano cresce a um ritmo maior que o da China.

Somos simples até demais

Detalhes sobre o fenômeno indiano Lula poderá ouvir do primeiro-ministro Narendra Modi, que veio ao Brasil para a cúpula do BRICS+ e depois fará uma visita de Estado. Poderá ouvir também do chefe de governo da Indonésia, que trilha uma trajetória semelhante.

Ambos são democracias, a Índia tem o maior regime parlamentarista do mundo, com população de 1,4 bilhão de habitantes, superior à da China. Só que nenhum é tão complexo quanto ela. Além do hindi e do inglês, tem outras 20 línguas oficiais entre 121 principais.

Não é fácil também a harmonia religiosa: 80% seguem o hinduísmo, mas das minoritárias o islamismo tem mais adeptos que toda a população do Brasil. A vizinhança é hostil. China, Paquistão e Índia, com os quais são comuns conflitos de fronteira, detém armas nucleares. Os desastres naturais são recorrentes, de calor intenso a terremotos.

Apesar de tantas adversidades, perto delas o Brasil é simples até demais. A língua é única, não há conflito religioso e étnico, nem terremotos ou furacões, a vizinhança é pacífica.

Mas temos uma elite, especialmente a política, sem visão nem ambição.

O poder da ideia certa

E vamos ao pitch da tese: enquanto nosso PIB em dólares nominais é de US$ 2,2 trilhões, praticamente estagnado há duas décadas, o da Índia entrou em 2025 com US$ 4,19 trilhões, 4º maior do mundo, e tende a US$ 10 trilhões até 2032, segundo o Goldman Sachs – US$ 1 tri a cada um ano e meio. Quem está certo? Ou errado?

A economia da Índia equivale hoje a 3,6% do PIB global, estimado em US$ 115,49 tri pelo FMI. Era essa a nossa participação em 1980, hoje reduzida para insuficientes 1,9%.  A taxa de pobreza extrema caiu de 27% em 2011-12 para 5,3% em 2022-23, com carga tributária de 18% do PIB, contra 33% da nossa, que o governo quer aumentar.

Só de serviços tecnológicos, a grande força motriz da expansão da Índia (graças ao Aadhaar), o país exportou US$ 387 bilhões no ano passado, com taxa de crescimento anual composta de 11% de 2005 a 2024. Até 2030, diz o Goldman Sachs, tais exportações vão atingir 11% do PIB ou US$ 800 bilhões. E nós? Se o santo for forte, vamos exportar este ano, no total, US$ 346 bilhões, uma merreca.

É isso que se espera que algum candidato, o incumbente e os que o desafiarem, traga à discussão na campanha de 2026. Não é IOF nem a tal da “justiça tributária”, necessária mas hoje subterfúgio para justificar aumento de impostos e nenhuma reforma do setor público ineficiente e capturado por interesses.

Em vez de mais, o que urge fazer é reduzir a carga, cortar desperdícios, automatizar os serviços públicos e promover a entrada da economia no novo mundo.

Como disse o antecessor de Modi, Manmohan Singh, morto no fim de 2024, citando Victor Hugo no que foi o seu discurso inaugural da nova Índia: “Nenhum poder na Terra pode parar uma ideia quando a hora chega”. Nossa hora já passou. Quem se habilita a ter a ideia?

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Last Update: 05/07/2025