Sheikh Hasina, a primeira-ministra de Bangladesh, renunciou ao cargo e fugiu do país, nesta segunda-feira (5), segundo anunciou o comando das Forças Armadas, após semanas de intensos protestos que resultaram em mais de trezentas mortes. Só no domingo foram assassinadas 90 pessoas que violaram o toque de recolher. Relatos indicam que Hasina e sua irmã foram transportadas por um helicóptero do exército para um local seguro, provavelmente sob a proteção da Índia. As Forças Armadas anunciaram também a formação de um governo interino comandado pelos militares.
Grandes multidões de manifestantes invadiram a residência oficial de Hasina na capital, Dhaka, desafiando o toque de recolher e o bloqueio da internet imposto pelo governo. O derramamento de sangue é um dos piores que o país já testemunhou desde sua independência em 1971. O governo interino promete justiça para aqueles que foram mortos e apela ao fim dos distúrbios. Quando os manifestantes começaram a entregar flores aos militares por volta do meio-dia, e os oficiais, por sua vez, abraçaram os manifestantes, ficou claro que o jogo havia virado para Hasina.
Não está claro se os próprios militares tomarão o poder como foi feito em vários golpes militares no passado. Ativistas estudantis disseram que rejeitariam o governo militar. O general Waker-uz-Zaman disse que está mantendo negociações com os principais partidos políticos, incluindo o opositor Partido Nacionalista de Bangladesh.
O exército é amplamente percebido como uma entidade neutra e respeitada pela maioria das pessoas. Em 2008, os militares garantiram que as eleições fossem realizadas em dezembro daquele ano, durante uma crise eleitoral. Na sexta-feira, ex-militares expressaram apoio aos protestos. O ex-chefe do exército Iqbal Karim Bhuiyan deixou sua foto de perfil do Facebook vermelha em uma demonstração de apoio.
Cotas para militares
Os protestos começaram em julho, inicialmente pedindo a abolição das cotas de empregos públicos, mas rapidamente evoluíram para uma exigência pela renúncia de Hasina, que estava no poder há quase duas décadas. Embora ela tenha tirado Bangladesh do mapa da pobreza durante seu mandato, muitos criticam seu governo por se tornar cada vez mais autocrático. Embora tenha vencido seu quarto mandato consecutivo nas eleições deste ano, foi acusada de amordaçar forças de oposição, orquestrar desaparecimentos e providenciar execuções extrajudiciais.
A política de cotas havia sido abolida em 2018, mas foi restabelecida em junho deste ano. No domingo, o Tribunal Superior de Bangladesh eliminou a maior parte das cotas para cargos públicos, que haviam iniciado os protestos violentos. Um quinto dos 170 milhões de habitantes de Bangladesh está desempregado.
O sistema de cotas reservava 30% dos empregos públicos aos descendentes dos veteranos da guerra de libertação do Paquistão de 1971, a maioria dos quais está ligada ao partido Liga Awami de Hasina, independente da qualificação deles. Naquela guerra Bangladesh se tornou independente e virou um país, e a restauração do controverso sistema pelo Tribunal inflamou ainda mais os manifestantes. Outros 26% dos empregos foram alocados para mulheres, pessoas com deficiência e minorias étnicas, deixando cerca de 3.000 posições para as quais 400.000 graduados competem.
Embora o sistema de cotas tenha simbolizado e alavancado as insatisfações, as difíceis condições econômicas, incluindo inflação alta, aumento do desemprego e esgotamento das reservas estrangeiras também exercem impacto sobre as perspectivas da população.
Mulher mais poderosa da Ásia
Hasina, conhecida por sua calma e firmeza, é filha do presidente fundador de Bangladesh e superou diversas crises e atentados ao longo de sua carreira. Durante seu mandato, enfrentou uma rebelião nas forças paramilitares que resultou na morte de 57 oficiais do exército, três controversas eleições gerais criticadas internacionalmente, alegações de violações de direitos humanos e protestos de rua. No entanto, os protestos estudantis das últimas semanas representaram o desafio mais sério de sua carreira.
Mais de 100 pessoas, principalmente jovens estudantes, foram mortas devido à resposta violenta das forças de segurança do governo. Os estudantes exigem agora justiça para as vítimas, o que significa que vários agentes da polícia e trabalhadores do partido no poder terão que enfrentar julgamentos. A polícia disparou balas de borracha e gás lacrimogêneo contra uma multidão na Praça Shahbagh, em Dhaka. Manifestantes no distrito noroeste de Sirajganj atacaram uma delegacia de polícia, matando pelo menos 13 policiais.
Riva Ganguly Das, diplomata sênior aposentada da Índia, descreveu a situação em Bangladesh como “confusa e intrigante”. A Índia, considerada a maior apoiadora internacional do regime de Hasina, monitora a situação de perto. Na sexta-feira, o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da Índia declarou que os protestos são “assunto interno” de Bangladesh, mas admitiu que o ministro dos Negócios Estrangeiros da Índia está pessoalmente monitorando os desenvolvimentos alarmantes na vizinhança.
Analistas políticos apontam que um passo em falso de Hasina exacerbou a situação. Durante uma conferência de imprensa, ela referiu-se ao movimento de reforma de cotas como uma dicotomia entre forças a favor e contra a libertação do país, uma narrativa usada por seu partido para obter influência política. Sua declaração provocou uma reação imediata dos estudantes, levando a confrontos violentos, incêndios, fuga de prisioneiros e mais de 100 mortes.
Os estudantes de Bangladesh conseguiram abalar a governante mais poderosa do país, algo que não havia ocorrido nos últimos 15 anos.