Charlie Kirk, ativista político. Foto: Divulgação

Por Reynaldo Aragon

O assassinato de Charlie Kirk, em um auditório universitário em Utah, foi convertido em espetáculo político quase instantâneo. Em menos de 24 horas, Donald Trump apontou o dedo para a “esquerda radical”, acusando-a de semear violência e prometendo “acabar com os lunáticos”. Essa reação não foi mero instinto de campanha: foi uma operação estratégica de guerra cultural. Ao culpabilizar a esquerda, o trumpismo apaga as contradições internas que Kirk representava e reconfigura sua imagem em mártir conveniente.

A caricatura que reduz Kirk a um agitador de campus ou podcaster de direita é insuficiente. Ele construiu uma máquina política de peso. A Turning Point USA, que fundou aos 18 anos, cresceu até se tornar um império multimilionário de mobilização jovem, com braços religiosos e de ação eleitoral. Kirk não apenas falava: organizava. Criou redes de voluntários, registrava eleitores, financiava campanhas e influenciava margens em estados decisivos. Sua base jovem lhe dava autonomia rara: ele podia pressionar elites republicanas de baixo para cima.

E foi justamente essa autonomia que o transformou em incômodo. Kirk ousou criticar leis anti-BDS, alertando que só reforçariam a percepção de que “Israel controla o governo americano” — uma crítica que irritou o lobby pró-Israel e megadoadores republicanos. Pressionou o governo Trump pela abertura dos arquivos de Epstein, cutucando interesses de elites financeiras e aliados próximos. Abraçou a Great Replacement Theory como realidade, e atacou programas de diversidade como “anti-brancos”, linguagem que agrada a base radical mas assusta republicanos pragmáticos.

Kirk era, assim, mais do que um soldado da extrema-direita: era um líder emergente, com força própria, capaz de pautar debates e constranger até o próprio Trump. Sua morte elimina esse incômodo e abre espaço para que o trumpismo o recodifique. O crítico interno desaparece; em seu lugar surge o mártir oficial, usado como bandeira contra a esquerda.

Charlie Kirk, ativista político. Foto: Divulgação

O processo é claro: Trump e seus aliados convertem fissuras internas em espetáculo de unidade pelo ódio. O assassinato de Kirk, ainda sem autoria confirmada, é apresentado como ataque externo, não como produto de tensões internas. Essa manipulação cumpre dupla função: coesiona a base radical e desloca o foco do público. O incômodo desaparece, o inimigo é reativado, a guerra cultural ganha novo combustível.

O risco é imediato. Ao responsabilizar a esquerda sem provas, Trump legitima a violência como resposta. Ao invocar “bater nos lunáticos”, normaliza o uso da morte como arma de poder. Não se trata apenas de mais um episódio da polarização americana, mas de um turning point na guerra híbrida: cada fissura interna convertida em narrativa de guerra total.

A morte de Charlie Kirk revela, portanto, muito mais do que um crime político. Ela expõe o mecanismo central do trumpismo: transformar derrotas e contradições em mitologia, apagar divergências e canalizar tudo contra um inimigo externo. A democracia, mais uma vez, é a principal vítima dessa manipulação.

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Last Update: 11/09/2025