Os ministros das Relações Exteriores dos países que integram o Brics defenderam nesta terça-feira, 29, o uso ampliado de moedas locais em transações comerciais entre os países do bloco e com seus parceiros externos. A posição foi registrada em comunicado divulgado pela presidência brasileira do grupo, após reunião realizada no Rio de Janeiro.
O encontro reuniu representantes da África do Sul, Arábia Saudita, Brasil, China, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Indonésia, Índia, Irã e Rússia. Esta foi a primeira reunião ministerial desde a ampliação do bloco, e não resultou em uma declaração conjunta.
Segundo o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira, a falta de consenso entre os membros impediu a elaboração de um documento único, o que levou à divulgação de um texto apenas pela presidência brasileira.
O comunicado destaca que os chanceleres reafirmaram o compromisso com o fortalecimento da Organização Mundial do Comércio (OMC), classificada como a “única instituição multilateral com o mandato necessário para estabelecer as regras do sistema multilateral de comércio”.
Ainda de acordo com o documento, os ministros enfatizaram “a importância do uso ampliado de moedas locais nas compensações comerciais e financeiras entre os países do Brics e seus parceiros comerciais”. Essa iniciativa visa reduzir a dependência do dólar norte-americano e facilitar o intercâmbio entre as economias do grupo.
Além disso, os chanceleres expressaram preocupação com o crescimento de práticas comerciais unilaterais.
“Os ministros expressaram sérias preocupações com o aumento de medidas protecionistas unilaterais injustificadas, inconsistentes com as regras da OMC, incluindo o aumento indiscriminado de medidas tarifárias e não tarifárias e o uso abusivo de políticas verdes para fins protecionistas. Eles alertaram que essas medidas causam perturbações na cadeia de suprimentos global e trazem mais incerteza para a economia global”, diz o comunicado.
O texto não faz menção direta a países específicos, mas as críticas foram interpretadas como uma referência às políticas comerciais adotadas pelos Estados Unidos, sobretudo durante o governo do ex-presidente Donald Trump.
Durante sua administração, Trump impôs tarifas de importação elevadas a diversos países, incluindo uma tarifa de 145% sobre produtos chineses, além de ameaças semelhantes a outros integrantes do Brics.
Embora existam especulações sobre a criação de uma moeda comum para transações entre os países do bloco, a proposta não está formalmente em discussão neste momento.
Segundo reportagem da Reuters publicada em fevereiro, o grupo busca formas de ampliar o comércio intra-Brics por meio do uso de moedas nacionais e da redução de custos em transações internacionais, mas sem previsão de uma moeda única.
Após o encontro no Rio, Mauro Vieira afirmou, em entrevista coletiva, que a ausência de consenso sobre um texto conjunto não compromete as negociações.
“Foi feita a opção pela declaração da presidência brasileira para deixar o caminho aberto para a negociação de uma declaração conjunta e final na cúpula de líderes dos países do Brics, em julho, também na capital fluminense”, declarou o chanceler.
A reunião desta terça-feira foi marcada por sinais de divergência entre os membros do bloco, um reflexo da recente ampliação do Brics, que passou a incluir países com agendas e prioridades distintas.
O comunicado também aponta críticas indiretas a políticas ambientais de outros blocos econômicos. “Os ministros expressaram preocupação com o uso abusivo de políticas verdes para fins protecionistas”, registra o texto.
Segundo uma fonte diplomática ouvida pela Reuters, essa passagem se refere a medidas ambientais adotadas pela União Europeia que impactam países exportadores como o Brasil.
Tais exigências incluem normas de rastreabilidade e critérios de sustentabilidade que podem funcionar como barreiras comerciais, mesmo sem serem formalmente tarifárias.
A expectativa agora se volta para a próxima cúpula de chefes de Estado do Brics, marcada para julho, no Rio de Janeiro. O governo brasileiro espera que, até lá, seja possível construir um entendimento entre os membros para a adoção de uma declaração conjunta com posicionamentos consensuais sobre comércio, moeda e governança global.