O Conselho Federal de Medicina (CFM) abriu um processo judicial contra a professora e médica sanitarista Lígia Bahia, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), exigindo uma indenização de R$100 mil por suposta difamação. A entidade também requer uma retratação pública e a remoção das declarações feitas por Bahia durante uma entrevista ao canal do YouTube do Instituto Conhecimento Liberta, que já foi retirada do ar. A ação do CFM gerou forte reação de entidades científicas, que denunciam a tentativa de cerceamento da liberdade de expressão e do debate acadêmico.
Na entrevista, a professora naturalmente expressou seu ponto de vista, com críticas contundentes ao posicionamento do CFM durante a pandemia da COVID-19. Bahia apontou que a entidade assumiu posturas político-partidárias e questionou a condução do órgão em temas sensíveis como o incentivo ao uso de cloroquina para tratamento da doença e a resistência a políticas mais firmes de incentivo à vacinação. Além disso, a professora criticou a atuação do conselho em questões relacionadas ao aborto legal, defendendo que a entidade se afastou de princípios científicos em suas posições.
Até aí, trata-se da opinião da professora. O CFM, porém, argumenta que as declarações são “falsas e difamatórias”, acusando-a de “proselitismo ideológico” e “discurso de ódio” contra a instituição. No processo, constam trechos da entrevista em que Bahia alerta para a politização da entidade: “é ultra preocupante que o Conselho Federal de Medicina seja ocupado, digamos assim, politicamente, por posicionamentos político-partidários muito claros”. Para o CFM, essa afirmação extrapola a liberdade, compromete a reputação da entidade e justifica a indenização milionária e a censura das declarações da docente.
A defesa de Bahia refuta as acusações e destaca que a ação do CFM representa uma tentativa de intimidação contra acadêmicos que expressam opiniões críticas. “Acreditamos que a possibilidade de manifestar opiniões e experiências pessoais contribui para a construção de senso crítico e de uma sociedade democrática e plural”, afirma a nota divulgada pela defesa da professora.
Diante da escalada repressiva, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira de Ciências (ABC) divulgaram uma nota conjunta manifestando solidariedade a Bahia. Segundo as entidades, as críticas da professora refletem consensos científicos amplamente reconhecidos, e a iniciativa do CFM de processá-la se distancia dos princípios básicos da ciência e da liberdade acadêmica. “O debate científico deve ser aberto e franco, e não alvo de perseguições judiciais que visam silenciar divergências”, diz o comunicado.
A ação judicial do CFM contra a professora Lígia Bahia é um exemplo flagrante de perseguição política disfarçada de defesa institucional. O caráter arbitrário e autoritário do processo expressa o endurecimento da ditadura do Judiciário para silenciar acadêmicos e críticos do regime vigente. A tentativa de censurar opiniões fundamentadas em provas científicas não apenas ataca a liberdade de expressão, mas também mina a autonomia universitária e a independência da pesquisa científica no Brasil.
Esse episódio se insere em um momento de endurecimento da repressão e dos ataques à livre manifestação. Inicialmente, o cerceamento da liberdade de expressão se voltou contra setores da direita, recebendo apoio de setores desorientados da esquerda que acreditavam estar combatendo o “discurso de ódio”. No entanto, essa política rapidamente se voltou contra a própria esquerda, que agora se vê na mira dos mesmos mecanismos repressivos que apoiou.
A lição que fica é clara: qualquer concessão ao aparato repressivo do regime, ainda que sob pretextos aparentemente nobres, inevitavelmente resultará em ataques aos trabalhadores e às suas organizações.