No dia 15 de janeiro, o primeiro-ministro do Catar, Mohammed al-Thani, anunciou um acordo integral de cessar-fogo entre o Estado de Israel e a resistência palestina liderada pelo Hamas, a ser implementado a partir de 19 de janeiro. Durante as negociações, Israel continuou bombardeando Gaza.
Além do fim das hostilidades, o acordo prevê a troca de prisioneiros, incluindo presos políticos palestinos condenados à prisão perpétua, a retirada das tropas israelenses de Gaza, exceto em uma faixa fronteiriça de 700 metros, a ampla entrada de ajuda humanitária, a livre circulação dos palestinos dentro de Gaza, um plano de reconstrução e a extensão do governo da Autoridade Palestina a Gaza, baseado em forças militares de países árabes. O acordo será implementado em três fases e supervisionado pelos Estados Unidos, Egito e Catar.
O governo israelense tinha outros planos para Gaza: estrangular a resistência palestina, manter uma ocupação militar permanente, expulsar a população palestina do norte de Gaza e substituí-la por colônias sionistas. Mas esses objetivos colidiram com a resistência heroica dos palestinos e seus aliados.
O povo palestino sobreviveu a 15 meses de genocídio implementado conscientemente pelos sionistas, utilizando bombardeios, balas, fome, frio e a destruição dos serviços de saúde. Pelo menos 65.000 palestinos foram mortos em Gaza, 70% deles mulheres e crianças, além de outros 800 na Cisjordânia, onde milhares foram presos. Além disso, 70% de todos os edifícios, incluindo escolas e hospitais, foram destruídos. Apesar do enfraquecimento, a resistência palestina recrutou novos membros e realizou ataques com armas e facas contra soldados israelenses em Gaza.
A resistência palestina aprofundou a crise econômica de Israel, resultando no êxodo de capitais e de centenas de milhares de sionistas liberais. Além disso, há um conflito entre o Estado de Israel e a população ortodoxa haredi, que se recusa a participar do serviço militar. Finalmente, a humilhante situação dos prisioneiros israelenses em Gaza mobilizou familiares e amigos, ganhando a simpatia da maioria da população. Externamente, o crescente isolamento internacional e a perda de apoio, particularmente entre os jovens e a comunidade judaica nos Estados Unidos, complicam ainda mais o projeto sionista.
Quem paga a banda, escolhe a música
Nada disso, porém, pareceu incomodar Netanyahu e seu gabinete de extrema direita, até que seu principal patrocinador, os Estados Unidos, através de um emissário de Trump, na noite de 11 de janeiro, expressou a posição do novo presidente a favor de um cessar-fogo imediato, devido ao impasse de Israel, que, diante da resistência, não consegue estabelecer uma ocupação militar efetiva em Gaza ou no sul do Líbano. A imprensa israelense informou que se tratava de uma imposição, e não está claro se houve negociação para uma luz verde a outros objetivos sionistas, como a anexação da Cisjordânia. Trump provavelmente deseja usar este acordo como alavanca para implementar o “Acordo de Abraão”, iniciado em seu primeiro mandato e paralisado com a guerra em Gaza, visando normalizar as relações de Israel no Oriente Médio, começando pela Arábia Saudita.
O fato é que o Estado de Israel depende de financiamento, armas e apoio diplomático dos Estados Unidos para existir, e não seria prudente contradizer Trump.
Além do imperialismo norte-americano, outros países imperialistas que apoiam Israel também se beneficiam deste acordo, como os europeus, que fornecem armas; a Rússia, que exporta petróleo; e a China, principal parceira comercial dos sionistas. O imperialismo europeu espera uma redução na onda de mobilizações populares contra o apoio ao genocídio israelense, e a China poderá retomar as rotas comerciais no Mar Vermelho, obstruídas pelos houthis iemenitas em solidariedade à Palestina.
Entre os países árabes, o Egito se beneficiará da normalização do tráfego marítimo no Canal de Suez e das receitas provenientes do controle do posto fronteiriço de Rafah. O Catar se reafirma, mais uma vez, como o regime árabe mais popular entre os palestinos, ao lado dos houthis. E os demais países podem retomar os vergonhosos acordos de normalização com o Estado de Israel, sem enfrentar uma enorme fúria popular.
Um novo Oriente Médio?
O presidente Joe Biden, incansável fornecedor de armas para o genocídio em Gaza, Cisjordânia e Líbano, declarou que sua administração foi responsável pelo cessar-fogo porque forçou o Hamas a aceitá-lo dentro do contexto de uma nova configuração do Oriente Médio, com o enfraquecimento do Hezbollah e a queda de Bashar al-Assad.
O Hamas já havia aceitado o acordo de cessar-fogo anunciado por Joe Biden em junho de 2024. Em outras palavras, o verdadeiro obstáculo ao cessar-fogo era Netanyahu, que pode continuar o genocídio graças ao financiamento, às armas e ao respaldo diplomático do próprio governo de Biden, com o apoio ou cumplicidade de outros países imperialistas.
No Líbano, de fato houve um avanço na política estadunidense após a eleição do general Joseph Aoun e a nomeação de Nawaf Salam como primeiro-ministro, ambos apoiados pelos Estados Unidos e pela Arábia Saudita. No entanto, entre isso e o desarmamento do Hezbollah, há um longo caminho a ser percorrido.
Na Síria, a manutenção do ditador genocida Bashar al-Assad contou com o apoio tanto dos Estados Unidos quanto de Israel. Assad protegeu a ocupação israelense das Colinas de Golã por 50 anos e estava se distanciando do regime iraniano. Além disso, manteve vários membros da resistência palestina nas infames prisões de Sednaya e na “ramificação palestina”. Os únicos países que ajudaram, de alguma forma, na ofensiva militar e popular que levou à queda de Assad foram Turquia, Catar e o serviço secreto ucraniano, que forneceu tecnologia de drones com finalidades militares. Porém, o fator decisivo foi o ódio da população síria contra Assad, que lhe retirou sua base social e permitiu o triunfo da ação combinada da ofensiva militar liderada pelo HTS desde Idlib e do levante popular no sul e no grande Damasco.
O novo regime sírio busca a reconstrução capitalista do país em colaboração com todos os países imperialistas e potências regionais, como Turquia e Arábia Saudita, além dos países vizinhos. Por isso, limita-se a protestos diplomáticos contra a ocupação israelense das Colinas de Golã. Mas, entre a população síria, a simpatia pela causa palestina sempre foi e continua sendo majoritária. A médio prazo, isso se voltará contra a ocupação israelense, de uma forma ou de outra, sem que exista uma ditadura sanguinária que proteja os sionistas.
Ciente dessa realidade, o Estado de Israel bombardeou 800 alvos militares e de inteligência na Síria, na maior operação aérea da história dos sionistas, e quer promover uma conferência para a partição da Síria em três Estados: um druso no sul, um curdo no nordeste e um sírio em Damasco. É claro que este plano depende da implementação pelos Estados Unidos.
Por fim, a questão iraniana. O regime iraniano prioriza um acordo com o imperialismo ocidental baseado na retomada do acordo nuclear em troca do fim de sanções econômicas severas. Ao mesmo tempo, assina um acordo de apoio mútuo com o imperialismo russo para enfrentar uma possível agressão militar imperialista de Israel, cujo governo está disposto a atacar instalações nucleares, militares ou petrolíferas. Mais uma vez, isso depende inteiramente do apoio estadunidense.
Uma conquista parcial, mas é preciso continuar a luta
Neste cenário regional e internacional, podemos afirmar que o fim do genocídio é uma conquista parcial dos palestinos. Não é por acaso que o anúncio da trégua foi recebido com expressões de alegria em toda a Palestina. O povo palestino, mais uma vez, impede com sua resistência heroica que Israel imponha todos os seus objetivos, apesar de sua esmagadora superioridade militar.
Contudo, isso não é uma verdadeira paz. Estamos diante de um processo muito frágil, no meio de uma catástrofe humanitária indescritível, em que nem sequer está claro se Israel cumprirá os termos do acordo. Este cessar-fogo não significa o fim da violência do sionismo genocida. Não haverá paz enquanto não houver o fim da ocupação de Israel e até que exista uma Palestina livre, do rio Jordão ao mar Mediterrâneo.
Esta trégua não pode servir também para nos fazer esquecer o genocídio cometido por Israel com a cumplicidade de todos os governos imperialistas. Devemos continuar exigindo que os criminosos sionistas sejam presos, como ordenou o Tribunal Penal Internacional, e julgados por crimes de guerra e contra a humanidade.
Essa conquista parcial só será mantida e ampliada com o fortalecimento da resistência palestina, seja por meio da mobilização popular com autodefesa armada, em coordenação com a solidariedade internacional da classe trabalhadora e da juventude nos países árabes e em todo o mundo, para derrubar regimes árabes como o da Síria e paralisar a máquina militar nos países imperialistas.