A afirmação veemente do presidente Lula, em entrevista à rádio CBN, de que os ricos tomaram conta do orçamento, retrata a situação real, de alto risco para o País, do cerco quase total dos recursos públicos por interesses privados, nem sempre defensáveis. O setor financeiro, a mídia, o Banco Central e parcela do setor produtivo agem como se estivessem todos diante de um balcão, a cobrar da política econômica juros altos sem limite e benefícios fiscais sem-fim, e o governo tivesse a obrigação de atendê-los, documenta o noticiário dia após dia.
“Há uma guerra histórica de determinados setores dos meios de comunicação e do mercado sobre a utilização dos recursos do orçamento. O que me deixa preocupado é que as mesmas pessoas que falam que é preciso parar de gastar são as que têm 546 bilhões de reais de desoneração de folha de pagamento e de isenção fiscal sem qualquer contrapartida. Ou seja, são os ricos que se apoderam de uma parte do orçamento do País”, disparou Lula na entrevista. O presidente disse ter ficado “perplexo” diante do montante de benefícios fiscais para os abastados, enquanto o governo se vê forçado a discutir cortes da ordem de 10 bilhões, e mencionou as isenções concedidas à agricultura, de 60 bilhões de reais.
O presidente citou números positivos de geração de empregos, aumento da renda e dos investimentos internos e estrangeiros e destacou: “Nós só temos uma coisa desajustada no Brasil neste instante, é o comportamento do Banco Central. Não demonstra nenhuma autonomia, tem lado político e trabalha muito mais para prejudicar o País do que para ajudar, porque não tem explicação a taxa de juros do jeito que está”. Lula mencionou o fato de Roberto Campos Neto insinuar a própria candidatura a um cargo em uma eventual reeleição do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, durante homenagem ao presidente do BC.
Lula: Só há uma coisa desajustada na economia, o comportamento do BC
Lula perguntou se o presidente do BC iria repetir o papel do juiz Sergio Moro, de “paladino da Justiça com o rabo preso a compromissos políticos”. Após a entrevista do presidente, a Comissão Mista de Orçamento aprovou um requerimento do PT de convocação de Campos Neto para explicar, entre outros aspectos, sua atuação política e possíveis conflitos de interesse.
“O que o mercado fez? colocou o orçamento como um fim, não como um meio. O orçamento é um instrumento de gestão, portanto, é um meio. Tanto que Keynes propôs tirar do orçamento o investimento corrente, porque ele é o regulador da economia. Isso não aparece no debate econômico, muito menos na mídia”, afirma o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, consultor editorial e colunista desta revista.
A construção do orçamento ao longo da história, prossegue Belluzzo, como uma peça de exposição pública do uso dos recursos é importante. É um compromisso que o Estado assume em relação à alocação de recursos que recebe dos contribuintes, para demonstrar como destina o que acumula na forma de impostos. Tornou-se, ao longo do tempo, cada vez mais público, mas aqui no Brasil inventaram o orçamento secreto, uma contradição em termos. Talvez a característica principal do orçamento seja não ser secreto, mas público.
As pressões se intensificaram há uma semana, quando setores produtivos encabeçados pelo agronegócio apertaram o cerco ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e conseguiram derrubar a Medida Provisória que buscava preencher a lacuna de 20 bilhões de reais na receita tributária provocada pela desoneração de 17 setores da economia.
O centro da apropriação privada do orçamento é o Congresso, deixaram claro consultores parlamentares, procuradores e economistas reunidos em seminário sobre a função da peça como instrumento das políticas governamentais e o papel do Executivo e do Legislativo, realizado na Câmara dos Deputados.
Em 12 meses, os gastos com juros da dívida somaram 776 bilhões de reais
Nas transferências especiais, sublinha Graziane Pinto, com esse modelo sem planejamento, sem plano de trabalho, de o dinheiro chegar direto na ponta, não ser tão rastreável, é muito difícil. “Nos Tribunais de Contas estaduais e municipais, a nossa capacidade de refinar essa informação sem ter um filtro prévio é muito árdua. Ainda mais tendo a indicação direta de CNPJ, sem a previsão de licença ambiental, de um projeto de engenharia”, esclarece.
O mal da insistência do presidente do BC em manter sem justificativas suficientes o maior juro real do mundo fica claro na síntese apresentada pelo economista José Luiz Pagnussat, professor da Escola Nacional de Administração Pública: neste ano, o BPC vai custar 105 bilhões de reais. A projeção no relatório do segundo bimestre do orçamento com educação é 146 bilhões, com saúde em 199 bilhões, com todos os programas da assistência social 278 bilhões. O grande gasto, contudo, é com juros, despesa financeira. “Só nos últimos 12 meses gastamos 776 bilhões. Somando educação, assistência social, saúde e 80 bilhões das políticas ligadas a trabalho e assistência aos desempregados, temos o gasto financeiro, gasto com juros, superior à soma de todos esses valores. O aumento de 1% na taxa de juros da política monetária gera o gasto equivalente ao Bolsa Família.”
A ideia que persiste nas diversas regras fiscais, aponta o consultor parlamentar Pedro Garrido, é tirar dinheiro de políticas públicas, definidas pelo processo democrático brasileiro, via Congresso e sanção pelo presidente da República, ou até por emendas constitucionais, que criaram esses gastos. “Aponta-se que existe um grande problema fiscal no Brasil, a ser resolvido por meio da diminuição real das despesas. Querem “limar” esses gastos, principalmente os sociais”, ressalta.