O artigo Decisão sobre plataformas é confusa, mas foi a solução possível, de Pablo Ortellado, publicado em O Globo no último dia 28, revela aquilo que não era nenhuma surpresa: a posição esquerda pequeno-burguesa, inclusive daquela que se diz revolucionária, é a mesma da Rede Globo: apoio à censura. A diferença é que a grande imprensa, ao contrário dessa esquerda filoimperialista, consegue fazer uma defesa mais consistente de suas ideias.

Ortellado inicia o texto dizendo que “na noite da última quinta-feira o Supremo Tribunal Federal (STF) publicou os parâmetros para responsabilização das plataformas digitais, estabelecendo as regras que passam a valer depois da declaração de inconstitucionalidade parcial do artigo 19 do Marco Civil da Internet. Não é exagero chamar essas diretrizes de regulação judicial – grifo nosso.

Uma regulação judicial, para quem não sabe, seria o papel do Poder Judiciário em “interpretar”, supervisionar e, limitar as ações de outros poderes (Executivo e Legislativo). Para exercer esse papel, o STF julgou parcialmente inconstitucional o artigo 19 do Marco Civil da Internet; com essa manobra, a norma sobrevive em parte, com ajustes e interpretações.

Na verdade, Ortellato se utiliza de um termo técnico para dourar a pílula e não dizer abertamente que o STF está passando por cima de outros poderes, pois a Constituição proíbe a censura.

Segundo o autor, “a discussão sobre a responsabilização por conteúdo de terceiros é um dos temas na fundação da internet. As primeiras leis de regulação optaram por um modelo que atribui responsabilidade apenas ao usuário que publica o conteúdo, e não à plataforma que o hospeda”. É uma atitude lógica. Um provedor não pode se responsabilizar por aquilo que as pessoas falam.

No próprio conceito de liberdade de expressão, está contido que ser a favor do direito de todos se expressarem livremente não é o mesmo que concordar com aquilo que por ventura seja expresso.

Também no artigo, se lê, corretamente, que “havia o temor de que incentivasse a censura privada, já que, para evitar riscos legais, elas tenderiam a remover preventivamente qualquer conteúdo potencialmente problemático, restringindo a liberdade de expressão. Essa lógica foi adotada em diversos países, como Estados Unidos, na Seção 230 da Communications Decency Act, e Brasil, no artigo 19 do Marco Civil da Internet”.

Abaixo, o texto do Artigo 19 do Marco Civil:

Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, os provedores de aplicações de internet só poderão ser responsabilizados civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomarem as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente”.

Principais pontos do artigo 19:

1) Responsabilidade somente após ordem judicial

  • Provedores (como Facebook, YouTube, Twitter) não são responsáveis por conteúdos postados por usuários, a menos que:
    – Recebam uma ordem judicial determinando a remoção;
    – E não cumpram essa ordem dentro do prazo.

2) Exceção: Conteúdos envolvendo nudez não consentida ou violência sexual (§3º)

  • Provedores devem remover imediatamente, sem necessidade de ordem judicial, conteúdos que envolvam:
    – Nudez ou atos sexuais não autorizados (revenge porn);
    – Cenas de violência sexual ou exploração de menores.

3) Ordem judicial deve ser específica (§2º)

  • A decisão judicial que pede a remoção precisa identificar claramente o conteúdo ilegal (não vale remoção em massa sem especificação).

4) Objetivo: Evitar censura privada e proteger liberdade de expressão

  • A lei busca equilibrar:
    – Direito à liberdade de expressão dos usuários

É importante o texto acima, pois, como se pode ler no site do Supremo: o STF definiu que é parcialmente inconstitucional a regra do artigo 19 do Marco Civil da Internet (MCI – Lei 12.965/2014). O dispositivo exige o descumprimento de ordem judicial específica para que os provedores de aplicações de internet sejam responsabilizados civilmente por danos causados por conteúdo publicado por terceiros. Por maioria de votos, prevaleceu o entendimento de que essa norma já não é suficiente para proteger direitos fundamentais e a democracia.

Com uma canetada, a censura prévia deixa de ser um temor e passa a ser a realidade.

Desculpa esfarrapada

Ortellado sustenta que “o modelo tradicional começou a ser contestado quando as plataformas deixaram de ser meros repositórios neutros e passaram a exercer papel ativo na curadoria de conteúdo, por meio da moderação e da recomendação por algoritmos. Nesse novo contexto, tornou-se mais razoável exigir que as plataformas assumissem um grau maior de responsabilidade sobre o que circulava em seus ambientes. A consequência foi a busca por um novo regime jurídico que incentivasse práticas de moderação diligente, capazes de mitigar danos concretos sem comprometer a liberdade de expressão”.

Por que uma recomendação algorítmica redundaria em um grau maior de responsabilidade? Por exemplo, se um usuário gosta de fazer churrasco ou procura esse tipo de conteúdo, o algoritmo procurará sempre levá-lo, ou recomendará, assuntos relacionados a esse tema.

Judiciário legislando

Para Ortellado, “a decisão do Supremo funciona como atualização da lei brasileira por via judicial, para cobrir um vácuo legislativo. Trata-se de uma solução complexa, que acomoda entendimentos divergentes entre os ministros.”. O STF, ele sabe, não pode legislar, pois ao fazer isso invade as atribuições do Judiciário, e dizer que se trata de uma “solução complexa”, é apenas um modo de tentar justificar essa flagrante irregularidade que fere a Constituição, que trata da divisão dos Poderes. – grifo nosso.

Segundo o autor, “esse mecanismo corre o risco de ser usado de forma abusiva por atores mal-intencionados que distribuam notificações em massa contra postagens de adversários para que a plataforma apague o conteúdo, temendo responsabilização”. Mas as plataformas não precisar esperar as notificações em massa, vão se antecipar e apagar determinados conteúdos.

O articulista diz que “para evitar esse risco e prevenir a censura privada, a legislação europeia impõe salvaguardas. Exige que as notificações sejam específicas, fundamentadas e não automatizadas, e que o usuário moderado tenha o direito de recorrer. A decisão do STF, porém, é vaga nessas salvaguardas. Menciona a exigência de um “devido processo”, mas sem defini-lo, e fala em “legitimidade” da notificação, mas sem estabelecer critérios. A decisão é vaga porque interessa ao Supremo que seja assim, pois fica muito mais fácil impor todo e qualquer tipo de “interpretação”, e os juízes farão, como têm feito, aquilo que bem entenderem. – grifo nosso.

A diferença de Ortellado para a esquerda histérica, que só quer prender e censurar, é que seu artigo busca correções para que o STF cumpra melhor o seu papel de monarquia absolutista judiciária. Alerta, por exemplo, que a redação do STF “gera confusão”.

Justificando a usurpação de poderes, o articulista afirma que “a decisão do STF não é elegante, nem plenamente coerente — é uma solução judicial improvisada para cobrir uma omissão do Congresso”. E, mais uma vez é preciso perguntar, quem disse que o Supremo tem a prerrogativa de solucionar eventuais “omissões” do Congresso?

Concluindo, Ortellado diz que “essa regulação judicial não é a ideal, mas talvez seja o melhor que se conseguiu fazer diante das circunstâncias”. Ou, em outras palavras, é o que tem para a janta.

O pior disso tudo é que a esquerda brasileira está até o pescoço nisso. Está de mãos dada com a Rede Globo e o imperialismo para atacar direitos fundamentais da população, especialmente a classe trabalhadora, que tem nas redes sociais um veículo mais democrático para se expressar.

Categorized in:

Governo Lula,

Last Update: 03/07/2025