Censura. Notas torpes sobre orgia, Marcola e o ex-capitão
por Armando Coelho Neto
Depois do espetáculo de cinismo e covardia de ontem, no Supremo Tribunal Federal, o provável anseio do leitor seria outro. Os golpistas estavam tentando explicar o porquê “fizeram tudo certo, dentro da lei”, mas deu tudo errado, bem como esclarecer como “velhinhos com bíblias nas mãos, pacificamente” vandalizaram a sede dos Três Poderes, e depois perderam a memória… “Não lembro, ministro”.
O ministro Alexandre de Morais entrou num festival de não sei, não vi, não fui eu, não estava lá. E a estranha participação do ministro Luís Fux mereceria ser classificada como … piiiiiii! Ao invés de Fux ou Xandão, o assunto é mesmo censura, liberdade de expressão, com foco no ministro André Mendonça e um humorista sádico, igualmente defensor de direitos e garantias fundamentais.
Sim. Entre um depoimento e outro, a Pistoleira dos Jardins fugiu e não se sabe se tentará voltar ao reduto de onde teria saído, segundo as más línguas. Seja onde for, vai falar de censura e direitos fundamentais, engrossando o time de parasitas foragidos, que tramavam contra o Brasil internamente, mas num gesto de covardia e traição, decidiram conspirar contra o país nas trevas de Donald Trump.
E onde entra Mendonça? Liberdade de expressão e inexistência de censura são princípios garantidos pelas democracias, que meliantes querem usar para destruir a democracia. Sem limites? Durante debate com o ministro Flavio Dino, Mendonça disse que qualquer um pode chamar os ministros do STF de ladrão. Para ele, chamar um ministro de ladrão, “Ainda assim, só representa uma opinião”.
Em resposta, o ministro Dino disse que “a tese da moral flexível degrada o serviço público”. A sociedade também, claro. Isso amplia as vertentes sobre a liberdade de expressão, razão pela qual o leitor está convidado a examinar o caso de um humorista de quinta categoria, que foi condenado, preso e já está solto. Entre os apoiadores do sádico humorista, bolsopatas de primeira linha.
Em Curitiba, cerca de 4 mil pessoas riram das sórdidas piadas do criminoso. O humor criminoso fez tanto sucesso, que acabou ganhando mais de 2,5 milhões de visualizações no YouTube. O tal humorista já foi condenado por conta de comentários ofensivos sobre a mãe de um jovem autista, e já conseguiu arrancar risadas com uma anedota sobre uma criança com hidrocefalia.
O humor sádico é indiferente à dor alheia, e consegue arrancar gargalhadas em cima de temas como pedofilia, sadismo, discriminação e preconceito contra negros, mulheres, idosos, gordos, homossexuais, nordestinos, indígenas, escarnio de pessoas deficientes, portadores de HIV. Tudo em nome da liberdade, da moral flexível. Seria o caso de perguntar quem ri, e com que vertente política se identifica.
No teatro em Curitiba, por exemplo, a plateia tinha um ar de chiqueza – retrato oficial do capitalismo decadente. Dos trajes ao celular, do sapato aos penduricalhos, além de uma série de itens materiais com os quais gente desse jaez costuma esconder o vazio. Discurso brega, faz do ato de ostentar autoafirmação, cujo espelho é a elite corrupta, imoral e que, no plano político, nada pode ser dela esperado.
Não à toa, bolsopatas – os novos defensores de direitos humanos, da liberdade de expressão e da inexistência de censura -, apressaram-se em analisar o perfil da juíza que condenou o humorista sádico. Descobriram que o TCC da magistrada foi orientado por Mauro Iasi, um comunista que já pregou paredão para direitistas. Ah! O inelegível representou contra Iasi, por “crime contra a segurança nacional”. Heim!?
Assim, com a licença poética do ministro Mendonça, caberia arriscar uma piada sobre uma orgia sexual hard core, com ataques à família tradicional, ofensas ao sentimento religioso. Que tal defecar sobre a bíblia? Cenas de sadomasoquismo entre José e Maria, com Jesus menino sendo tratado como uma criança palestina nas mãos de Benjamin Netanyahu, no estado terrorista de Israel (Palestina Livre!).
Censura e liberdade de expressão converteram-se naquilo que não se quer que o outro diga? Há muitos aspectos que a serem considerados. No plano pessoal e coletivo, passa pela dor do outro, no sal atirado na ferida aberta do próximo. No campo político, aferir a adequação aos valores garantidores da própria democracia, já que é ela que, paradoxalmente, garante e define o que lhe dá suporte.
Como extensão dessa liberdade, que tal pedir a opinião de Marcola, Beira-Mar, Marcinho VP, Nem da Rocinha, Cabeça Branca…? E, claro! Ouvir a opinião do inelegível!
Armando Rodrigues Coelho Neto é jornalista, delegado aposentado da Polícia Federal e ex-representante da Interpol em São Paulo
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