
Em entrevista à Folha, o assessor especial da Presidência e ex-chanceler Celso Amorim defendeu que o Brasil mantenha relações diplomáticas mínimas com Israel e rejeite a nomeação de um novo embaixador israelense, em resposta à ofensiva militar na Faixa de Gaza. Principal conselheiro do presidente Lula em temas internacionais, Amorim também afirmou que o governo brasileiro deveria aderir formalmente à ação movida pela África do Sul na Corte Internacional de Justiça, que acusa Israel de genocídio. Ele também comentou sobre os atuais objetivos do Brics.
Os objetivos do Brics, hoje ampliado, seguem os mesmos da criação do bloco, em 2009?
Acho que os objetivos básicos continuam os mesmos. Agora, o mundo está mudando, e você tem que se adaptar um pouco à realidade para que o grupo continue a ser relevante. O Brics foi um acrônimo criado por um economista [Jim O’Neill], que fazia referência às grandes economias de países em desenvolvimento que tinham peso na realidade econômica internacional —tinham peso, mas não representação. Tudo era decidido pelo G7 [grupo de nações industrializadas liderado pelos EUA]. É evidente que o Brics era uma força nova, que teria um impulso, e isso coincide com outro processo: a criação do G20 [fórum das principais economias desenvolvidas e emergentes] de cúpula.
O Brics passou a ter uma importância muito grande no G20, e isso obviamente tinha repercussão nas decisões econômicas. A primeira, e acho que única, reforma que teve no sistema de cotas do FMI [Fundo Monetário Internacional], embora modesta e insuficiente, deu-se já depois de o Brics integrar o G20. Isso era aquela época, mas o mundo cresceu muito. Países árabes passaram a ter uma influência muito grande, não só econômica mas política.
Acho que houve um aumento [de membros no Brics] para levar essa nova realidade em conta. Tínhamos poucos africanos —a África do Sul era a única. Entraram também Etiópia, Egito. Na minha opinião, o Egito deveria estar no G20. É uma realidade nova. Curiosamente o G7 não mexeu, porque ninguém mais enriqueceu para fazer parte.(…)
Sobre o conflito em Gaza, o Brasil chamou de volta o embaixador de Tel Aviv. E não temos novo embaixador de Israel no Brasil…
O novo [embaixador] não recebeu o agrément [aval do Brasil], nem vai receber. Nem tem porque receber. O Chile já rompeu relações diplomáticas com Israel. A Irlanda e a Eslovênia tiveram muitas restrições —muitos países europeus também— porque Israel está praticando um genocídio. O Brasil apoiou a ação da África do Sul na Corte Internacional de Justiça.
É claro que a gente é contra o ataque do Hamas [de outubro de 2023], não há dúvida, mas a reação é totalmente desproporcional. Você está matando um povo inteiro. É muito ruim matar 2.000 pessoas, é péssimo, é horrível e condenável. Mas matar 60 mil, 70 mil… mulheres e crianças na fila humanitária, é impensável.
A decisão, então, é a de não dar aval para a indicação de um novo embaixador israelense?
Não está pensando em dar. O futuro eu não sei, não tenho bola de cristal aqui na minha frente. Não há intenção de dar nesse momento.
Mas deixa eu dizer a minha posição sobre a questão de Israel. Não tem nenhum radicalismo nisso. É preciso distinguir o povo judeu, que deu imensas contribuições à humanidade; o Estado de Israel, que tem direito de existir e de se defender contra terrorismo ou o que for; e o governo Netanyahu, que está praticando um genocídio.
O governo Lula apoia, mas não entrou oficialmente na ação movida pela África do Sul na Corte Internacional de Justiça, na qual acusa Israel de genocídio.
A gente está vendo se dá para entrar.
O que mais o Brasil pode fazer?
Uma alternativa que o Chile seguiu, de romper relações, tem também inconvenientes. Nós retiramos o nosso embaixador depois que ele foi humilhado em Israel e que o Lula foi declarado persona non grata, mas tem brasileiros em Israel que precisam de proteção. Mesmo os brasileiros na Palestina —para agir em defesa deles, é preciso da anuência de Israel, ou fisicamente tem que passar por Israel.

A posição correta hoje, na minha opinião, é a gente entrar, sim, como parte na ação da África do Sul por genocídio; manter as relações [com Israel] em níveis mínimos e ser muito severo no acordo de livre comércio, talvez até suspendê-lo.
Virar parte da ação sul-africana não pode criar um atrito com os Estados Unidos, aliados de Israel, num momento tão delicado e com Trump, um presidente imprevisível?
Se prender um narcotraficante americano aqui, você pode dizer que isso pode fazer mal às relações com os Estados Unidos. Mas eu estou agindo dentro da lei. Nesse caso, da lei internacional.(…)