A Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC) realizou nesta segunda-feira (1º) uma reunião emergencial para discutir a escalada militar dos Estados Unidos no Caribe.
O bloco regional pediu a retirada imediata das tropas norte-americanas, denunciou ingerência externa e reafirmou a região como uma Zona de Paz.
A crise foi detonada pelo envio de navios de guerra e um submarino nuclear à costa venezuelana, sob a justificativa de combate ao narcotráfico, considerada sem provas por governos latino-americanos.
A convocatória partiu da presidência pro tempore da Colômbia, exercida pela chanceler Rosa Yolanda Villavicencio Mapy.
A reunião extraordinária, em formato virtual, foi respaldada pelo Estatuto da CELAC de 2011, que permite encontros emergenciais diante de ameaças à paz regional. Segundo a chancelaria colombiana, o objetivo era garantir uma reflexão coletiva sobre a preservação da soberania, da independência política e da integridade territorial dos Estados.
Na declaração, os países reforçaram o repúdio a qualquer forma de ingerência externa e sublinharam a necessidade de reforçar os canais de diálogo e cooperação.
A CELAC recordou que a América Latina e o Caribe foram declarados Zona de Paz em 2014, compromisso que não pode ser reduzido a um documento simbólico. Para o bloco, a estabilidade da região depende de respostas conjuntas e coordenadas diante de desafios transnacionais.
A ministra colombiana destacou que o respeito entre as nações deve ser a “espinha dorsal” da ordem internacional.
Ela reconheceu que a liberdade de navegação está prevista pelo direito marítimo, mas alertou que o envio de embarcações militares acompanhado de retórica beligerante ultrapassa a fronteira entre presença e coerção.
“Rejeitamos a lógica da intervenção e reafirmamos a Carta das Nações Unidas”, afirmou Villavicencio.
O encontro consolidou um posicionamento coletivo contrário à escalada dos EUA, visto como um precedente perigoso para toda a região. A decisão também amplia o isolamento diplomático de Washington, já contestado em instâncias multilaterais e no próprio continente.
Forças dos EUA no Caribe
A movimentação militar se intensificou nos últimos dias. No fim de agosto, o destroier USS Sampson atracou no Panamá, enquanto o lançador de mísseis USS Lake Erie atravessava o Pacífico rumo ao Caribe.
Já estavam na região os destroieres USS Jason Dunham e USS Gravely, além do navio de assalto anfíbio USS Iwo Jima.
Dois navios de apoio com capacidade para mais de 4.500 soldados completam o destacamento. Washington não informou a localização exata do submarino nuclear USS Newport News, também deslocado.
Segundo o governo venezuelano, o conjunto chega a oito embarcações, com mais de 1.200 mísseis e 4.200 soldados mobilizados.
Em declaração oficial, a Casa Branca afirma que a operação visa combater o narcotráfico. No entanto, em julho, o Departamento de Estado ofereceu recompensa de US$ 50 milhões pela captura de Nicolás Maduro, acusado de chefiar o “Cartel dos Sóis”.
A denúncia, rejeitada por Caracas e sem provas oficiais, foi acompanhada pela declaração da porta-voz Karoline Leavitt de que os EUA usariam “toda a força” contra a Venezuela.
A presença militar foi classificada como violação ao Tratado de Tlatelolco, assinado em 1967 e ratificado por Washington em 1971, que proíbe armas nucleares na América Latina e Caribe.
Caracas denuncia que a simples possibilidade de o submarino nuclear carregar armamento atômico ameaça o estatuto da região como zona desnuclearizada.
A justificativa antidrogas também foi rebatida por diferentes governos. A ministra colombiana lembrou que as operações dos EUA se baseiam em retórica beligerante. Já Cuba afirmou que os relatórios da DEA não têm base em fatos, e a Nicarágua defendeu que qualquer ameaça de uso da força coloca em risco a paz regional.
Venezuela denuncia ameaça inédita
O presidente Nicolás Maduro afirmou, nesta segunda, que a Venezuela enfrenta a maior ameaça dos últimos 100 anos no continente. Em pronunciamento à imprensa internacional, ele acusou os EUA de recorrerem à “máxima pressão militar” depois do fracasso de suas sanções e bloqueios.
“Declaramos a máxima preparação para a defesa da Venezuela”, disse. O chefe de Estado classificou a escalada como “extravagante, imoral, criminosa e sangrenta”.
Maduro também comparou a ofensiva à chamada “diplomacia das canhoneiras”, estratégia imperial do século XIX agora retomada sob a lógica da Doutrina Monroe.
Ele afirmou que a Venezuela resistiu a mais de mil medidas coercitivas, mantém sua economia em recuperação e fortalece relações com potências emergentes, citando os BRICS. “O Grupo de Lima desapareceu. Os governos que nos atacavam ficaram isolados”, declarou.
O ministro da Defesa, Vladimir Padrino López, reforçou que a operação não tem qualquer relação com o narcotráfico. Ele destacou relatórios da ONU que apontam que 87% da produção de drogas da América do Sul se origina em Colômbia, Equador e Peru, e sai principalmente pelo Pacífico, onde os EUA não mobilizaram frotas. Para o general, a atitude revela “uma evidente dupla moral”.
Caracas também denunciou a presença de tropas e mísseis em prontidão para invadir a Venezuela e mobilizou milhares de cidadãos na Milícia Bolivariana. A estratégia interna busca combinar resistência popular com denúncia diplomática, projetando a ameaça não como um ataque isolado ao país, mas como um risco para toda a região latino-americana.
Reações e desdobramentos
Além da CELAC, a Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América (ALBA) já havia condenado a escalada. O presidente da Colômbia, Gustavo Petro, afirmou que os EUA cometem um erro ao tentar transformar a Venezuela em uma “nova Síria”, com risco de arrastar o próprio território colombiano para o conflito. Nicarágua e Cuba também reafirmaram apoio ao governo venezuelano e defenderam a unidade regional diante da provocação externa.
O posicionamento conjunto reflete o esforço latino-americano para rechaçar a lógica da intervenção e fortalecer a via diplomática. A denúncia da Venezuela em instâncias multilaterais aponta para a tentativa de ampliar apoios no Sul Global e reforçar tratados já estabelecidos contra a militarização da região.
Os EUA, por sua vez, sustentam a narrativa do combate ao narcotráfico, enquanto aumentam a pressão direta sobre Caracas com presença bélica e recompensas contra Maduro. A escalada reativa memórias da Guerra Fria e da Crise dos Mísseis, evocadas por chanceleres e diplomatas como referência ao risco nuclear.
A crise, portanto, se estabelece como uma encruzilhada: de um lado, Washington aposta na pressão militar aberta; de outro, a América Latina tenta consolidar-se como espaço de soberania e paz, recusando a ingerência e denunciando o desequilíbrio criado pela movimentação de tropas estrangeiras.