Sob a chefia da deputada federal Caroline De Toni (PL-SC), a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara passou por uma guinada à direita com o avanço de pautas simpáticas ao bolsonarismo, a exemplo da proibição do aborto legal, da tentativa de anistiar os golpistas envolvidos no 8 de Janeiro e do pacote anti-MST.

O desempenho da catarinense desperta críticas e elogios. Integrantes do PL avaliam que sua postura contribui para a disputa de uma cadeira no Senado em 2026. A sigla trabalha para eleger a maior bancada da Casa Alta no próximo pleito, de olho na possibilidade de pautar o impeachment de ministros do Supremo Tribunal Federal.

De Toni não respondeu aos pedidos de CartaCapital para comentar o assunto. O espaço segue aberto.

A CCJ é a comissão mais importante da Casa, por ser a primeira parada de todos os projetos em tramitação, e em 2025 deve ser presidida por uma figura mais moderada, na avaliação de congressistas. PSD e União Brasil, partidos de centro-direita que integram o arco de alianças do governo Lula (PT), despontam como favoritos para abocanhar o comando do colegiado.

Na prática, a comissão analisa a constitucionalidade de todas as propostas em andamento na Câmara. Isso, porém, vai além de questões técnicas e envolve componentes políticos que podem atrasar a discussão, sobretudo se a presidência for contrária a determinado texto. Um exemplo é a PEC que extingue a escala 6×1, contra a qual De Toni se mobilizou.

O último ato de De Toni à frente do colegiado foi ressuscitar o projeto que retoma o voto impresso no Brasil. A proposta sequer estava no radar da CCJ, mas entrou na pauta após uma manobra capitaneada por deputados bolsonaristas. Houve 30 votos favoráveis à matéria, que segue para análise do plenário.

Antes disso, De Toni resgatou uma proposta que pode acabar com o aborto legal e engrossou a ofensiva contra o STF e o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, em um aceno a expoentes do agronegócio no Congresso.

Também buscou dar andamento à anistia aos golpistas do 8 de Janeiro, mas o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), retirou o texto de pauta e anunciou a criação de uma comissão especial para discutir o tema. O novo colegiado sequer saiu do papel.

Opositora ferrenha do governo Lula, Caroline De Toni chegou ao comando da CCJ em março de 2024 e logo acendeu o sinal amarelo no Palácio do Planalto. Ela também era vista com reservas por parlamentares do Centrão, em razão de seu tom belicoso.

Eleita na esteira da ascensão da extrema-direita em 2018, a deputada está em seu segundo mandato, integra a bancada do agro e é defensora da pauta contra a descriminalização do aborto. Também foi vice-líder do governo de Jair Bolsonaro (PL) em 2019 e relatora da PEC que institui a prisão após condenação em segunda instância.

Diante das resistências após ser escolhida para o posto, De Toni telefonou a lideranças partidárias e prometeu uma gestão “equilibrada”. Garantiu ainda que evitaria discussões acaloradas com seus colegas de esquerda e ouviria todos os integrantes da comissão, independentemente do espectro político. Este último compromisso, porém, não foi cumprido.

Passaram-se apenas três meses até que ela acabasse com as tradicionais reuniões nas quais se definiam as pautas da CCJ. Conforme o regimento interno, cabe à presidência definir a agenda de votações no colegiado, mas os encontros ajudavam a alinhar os projetos sobre os quais havia consenso.

“A extinção das reuniões de coordenação, justificadas pela presidente como falta de previsão regimental, reduziu os espaços de debate e limitou a atuação das minorias, violando os valores do devido processo legislativo”, pontuou Rubens Pereira Júnior (PT-MA), coordenador do governo no colegiado, para quem os projetos pautados representavam um “mundo paralelo”.

Um fator que contribuiu para o giro à direita foi a presença de mais deputados da oposição entre os integrantes da CCJ. Dos textos mais polêmicos, poucos seguiram para votação no plenário da Câmara, mas a deliberação na comissão foi suficiente para insuflar a base bolsonarista.

Na avaliação de deputados de esquerda, a catarinense fez da comissão um “puxadinho da direita” e um playground do atraso”. O avanço de propostas simpáticas ao bolsonarismo, analisa Bacelar (PV-BA), busca alimentar um “projeto de poder autoritário e produzir conteúdo raivoso para as redes sociais”, enquanto temas caros aos brasileiros ficam de lado.

“Sob De Toni, a comissão perdeu credibilidade e se tornou palco de discursos extremistas, xingamentos e ofensas, distanciando-se da liturgia e do decoro esperados de seu papel. Houve um claro esvaziamento da participação democrática”, sintetiza Pereira Júnior. “O Brasil quer discutir economia, investimentos, crescimento, corte de gastos, não voto impresso e anistia a golpistas.”

Por outro lado, deputados da oposição parabenizam a colega pelo trabalho. “Vi no desempenho muita determinação, coragem e bom senso. O comportamento dela foi exemplar e merece nosso reconhecimento”, alega Alberto Fraga (PL-DF), presidente da Comissão de Segurança Pública da Câmara.

O cientista político pela USP Caio Barbosa observa que, ao priorizar projetos simpáticos ao bolsonarismo, a deputada agiu para fidelizar sua base eleitoral.

“É uma estratégia política, até porque muitos dos projetos pautados seriam considerados inconstitucionais ou teriam poucas chances de prosperar”, destacou à reportagem. “A intenção era mostrar para a sua base que ela está trabalhando para eles. E a intenção parece ter dado certo.”

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Last Update: 06/01/2025