O prefeito de Belo Horizonte, Álvaro Damião, do União Brasil, esteve nos holofotes nas últimas semanas. Damião estava na comitiva de políticos brasileiros obrigada a se refugiar em um bunker em Jerusalém, após o início dos ataques de ­Israel ao Irã na sexta-feira 13. O alcaide aproveitou a oportunidade para criticar o Itamaraty, apesar das reiteradas recomendações do Ministério das Relações Exteriores para que viagens ao Oriente Médio fossem evitadas.

As críticas à diplomacia nacional são mais um indício do afastamento do prefeito de aliados fundamentais na eleição do ano passado. Enquanto o prefeito estava em Israel, os professores da rede municipal rejeitavam a proposta de rea­juste salarial de 2,49% e decidiam entrar em greve. Durante a assembleia da categoria, um dos diretores do Sindicato dos Trabalhadores em Educação da Rede Pública Municipal disse que nunca foi tão fácil mostrar para um trabalhador a necessidade da greve, pois o valor oferecido foi tão baixo que a categoria se revoltou espontaneamente. Segundo Vanessa Portugal, militante do PSTU e integrante da diretoria do sindicato, além de uma proposta desfavorável aos professores, Damião mantém uma política de terceirização e privatização do ensino. A viagem a Israel, acredita Portugal, marca uma adesão de Damião à política de extrema-direita. Ao desembarcar na capital mineira, o prefeito foi recebido por um grupo de grevistas e prometeu retomar e avançar nas negociações, o que até o fechamento desta reportagem não havia ocorrido.

Eleito como vice, Damião assumiu a prefeitura depois da morte de Fuad ­Noman em abril último, passados menos de quatro meses da posse para um segundo mandato. A chapa contou com o apoio do campo progressista, fator crucial para a vitória sobre o bolsonarista Bruno Engler. Candidatos à esquerda acabaram sacrificados por conta desse arranjo de interesse nacional, a começar pelo petista Rogério Correia. No segundo turno, legendas progressistas e movimentos sociais uniram-se à campanha de Noman e Damião. Em troca, os partidos esperavam influenciar os secretariados e as decisões públicas, mas a morte do titular da chapa complicou a situação. Desde a assunção do vice, a regra tem sido esperar para ver e negociar o que for possível.

Líder da bancada do PT na Câmara de Vereadores, Pedro Patrus lembra que o partido não teve dúvida em apoiar Noman no segundo turno, pelo fato de o prefeito ser um centrista alinhado a ideias progressistas. Damião, lamenta o parlamentar, não segue a mesma linha. “O aceno à extrema-direita está muito forte”, diz Patrus. “Colegas de Parlamento dizem que vão transformar Belo Horizonte na cidade mais conservadora do Brasil. Tem um pacote de projetos apresentados e talvez aqui seja a cidade onde esse processo esteja mais acelerado. Cito o uso da Bíblia como material paradidático, da legislação contra o funk ou em defesa dos meios contraceptivos naturais.”

Vice na chapa do falecido Fuad Noman, o alcaide afasta-se da base progressista que garantiu a vitória nas urnas

Quando algumas dessas leis foram à sanção, diz Patrus, o atual prefeito esquivou-se da responsabilidade e deixou a promulgação dos textos para Juliano Lopes, presidente da Câmara. “Ligamos o alerta no momento em que ele deixou de cumprir a sua tarefa e disse que não ia se meter nessa questão ideológica.” Segundo o vereador, a troca na Secretaria de Segurança Pública foi outra guinada à direita. Saiu um nome preocupado com os direitos humanos, entrou o ex-delegado Márcio Lobato Rodrigues, que acompanhou Damião no tour em Israel. Apesar desses pontos, Patrus garante que o PT não faz oposição ao prefeito e pretende manter o diálogo com o Executivo.

A relação com a Câmara Municipal também indica o realinhamento de Damião. No fim do ano passado, o prefeito, antigo vereador na cidade, organizou uma chapa para enfrentar justamente o ­atual presidente da casa, Juliano Lopes, que conta com o apoio da “família Aro”, grupo político que abriga 11 integrantes e se alinha a pautas reacionárias. Lopes, vencedor da contenda, chegou a chamar o alcaide de “pateta”. Mas os ressentimentos viraram coisas do passado. A relação entre os dois vai muito bem, obrigado, conforme se pode ver na jogada para a promulgação das leis aprovadas pelo Legislativo. O poder da família Aro também se manifesta nas secretarias de Esportes e Lazer e na Coordenadoria Especial de Vilas e Favelas, onde seus indicados foram acomodados.

Para a vereadora Cida Falabella, do PSOL, nem tudo está perdido. Damião, avalia, mantém várias das iniciativas do antecessor. “No sentido das políticas públicas, na área da cultura, da assistência social e da educação são não só de continuidade, mas até de melhora na educação. Com uma equipe de secretários com muita gente comprometida realmente com as políticas públicas.” Em alguns pontos, prossegue Falabella, a prefeitura da capital mineira está alinhada com o governo Lula. “O mandato traz contradições em seu bojo, mas vejo um espaço de diálogo e de construção com o governo federal.” A gestão, acrescenta, também respeita os acordos firmados anteriormente. Ela defende, de qualquer maneira, um acompanhamento dos rumos da prefeitura, por se tratar de um governo “em disputa”.

A prefeitura de BH não respondeu às perguntas da reportagem sobre o realinhamento político do prefeito. Vale lembrar: em 2008, Márcio Lacerda foi eleito para comandar a capital mineira por meio de uma aliança entre velhos adversários, o PT e o PSDB. Lacerda não demorou, no entanto, a escolher um lado: preferiu os tucanos sob o comando de Aécio Neves. Resta saber se o religioso Damião seguirá o ensinamento bíblico: “Ninguém pode servir a dois senhores ao mesmo tempo”. •

Publicado na edição n° 1368 de CartaCapital, em 02 de julho de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Cavalo de Troia?’

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Last Update: 26/06/2025