No último domingo, dia 2 de fevereiro, o portal progressista Brasil 247 publicou uma coluna assinada pelo jornalista Moisés Mendes, intitulada “A cabeça da vez é a de Carla Zambelli”. Na peça, é apresentada a posição de que o Judiciário deveria se dedicar totalmente à perseguição política de opositores políticos, apesar de um tanto encoberta.

O artigo, descritivo e especulativo, justifica a perseguição à deputada federal Carla Zambelli (PL-SP), apresentando as acusações sofridas pela deputada, enquanto especula sobre a ampliação da perseguição a outras figuras da extrema direita, como no trecho a seguir:

“Se um tribunal regional condenou Carla Zambelli por delito eleitoral, pode acontecer o mesmo com outras figuras da extrema direita? Pode se repetir com Nikolas Ferreira, que enfrenta duas investigações no TRE de Minas?

Pelo conjunto das obras, Zambelli e Nikolas poderiam disputar uma copa de acusações, investigações e denúncias formais com todo tipo de crime. Mas não há quem possa garantir que Nikolas, sempre citado, esteja entre os próximos da fila.

Primeiro, porque o TRE de Minas não é o TRE de São Paulo, o que não significa que um possa ser mais atrevido do que o outro no enfrentamento da extrema direita. E é ingênuo quem acredita em parâmetros técnicos que possam orientar as próximas decisões” (grifo nosso).

O grifo demonstra que Moisés Mendes apresenta, como função do Judiciário, a perseguição política, destacadamente à extrema direita. Aqui temos um problema fundamental, pois não é uma posição isolada de Mendes, mas de um amplo setor da esquerda.

A política de apoio a perseguição judicial contra parlamentares bolsonaristas, que é o objetivo deste setor, exemplificado na busca por e apoio a cassação de Carla Zambelli apresenta dois problemas fundamentais.

Em primeiro lugar, a ofensiva do Judiciário contra os parlamentares, eleitos, os coloca como perseguidos políticos (algo que de fato são) aos olhos da população, o que amplia a base de apoio do setor bolsonarista, e a impele a se mobilizar, para se defender dos ataques sofridos. Vimos isso, por exemplo, com Donald Trump, hoje presidente dos EUA, após enfrentar uma enxurrada de acusações.

Enquanto Moisés Mendes apresenta justificativas técnicas, motivos e acusações formais, é óbvio, até pela própria colocação de Mendes, que se trata de um fato exclusivamente político, e isso é perceptível também aos olhos dos bolsonaristas e da população em geral. O Judiciário, um setor por definição antipopular, e não eleito, apenas incita a já revoltada base bolsonarista.

Em segundo lugar, essa política de destruição dos direitos democráticos é uma política fascista, que avança o regime político na direção do fascismo, ou seja, um fortalecimento do bolsonarismo. Caso Bolsonaro volte ao governo, voltará num regime mais adequado para sua política. Esse mesmo caminho precedeu a maior parte dos regimes fascistas na história, como a Alemanha nazista. Os nazistas também foram censurados e perseguidos, porém, assim que a burguesia mudou de política, eles foram alçados ao governo.

O Judiciário, assim, deve ser visto sob o ângulo da luta de classes. No momento, é utilizado pela burguesia para controlar o bolsonarismo, restringindo setores secundários daquele campo político, e simultaneamente incrementando a capacidade repressiva do Estado. Essa tendência, contudo, pode se inverter e inevitavelmente se reverterá, rumo a uma repressão contra a esquerda, contra os trabalhadores.

A matéria de Mendes já deixa evidente o caráter o Judiciário:

“Zambelli ainda enfrenta outro caso tenebroso, também de 2022, quando correu, com arma em punho, atrás do jornalista Luan Araújo pelas ruas de São Paulo. Até agora, apenas Araújo foi condenado por difamação contra a bolsonarista.”

Ora, deve-se esperar que esse Judiciário seja a ponta de lança contra a extrema direita? Seria algo no mínimo ingênuo. A política da extrema direita deve ser combatida politicamente, através da disputa política, da apresentação de uma política operária, dos trabalhadores, às amplas massas da população. Tal é a tarefa da esquerda, não a submissão política ao Judiciário burguês, levada adiante por setores da esquerda com a política representada por Moisés Mendes:

“Podem [a extrema direita] sacrificar Zambelli, como oferenda capaz de acalmar o sistema de Justiça (e até alguns parceiros de turma), para que o resto seja negociado. Ela é figura mais frágil e abandonada da direita hoje.”

Ou seja, Mendes traça uma oposição fundamental entre o Judiciário e a extrema direita. Pior, apresenta a utilização política do Judiciário como técnica, e a técnica como política:

“Jorge Seif, Nikolas Ferreira, Gustavo Gayer (absolvido pelo TRE de Goiás e dependente de recursos no TSE) e outros sem a mesma fama poderão ser poupados, se o sacrifício de Zambelli for suficiente. 

Numa situação ideal, é possível imaginar-se que todos eles correm o risco da condenação e da perda de mandatos em julgamentos que, depois do veredito dos tribunais regionais, terão de ir à luta no TSE.

“Mas a situação ideal não funciona quando a Justiça, em todas as áreas, depende cada vez mais dos humores da política. E esses humores continuam favorecendo o fascismo.”

A realidade é justamente o inverso. A lei determina que os parlamentares só podem ser cassados pelo próprio Congresso. A perseguição perpetrada pelo Judiciário se dá ao arrepio da lei, é uma ingerência dele sobre o Legislativo. Um parlamentar goza de imunidade justamente para impedir a perseguição política contra o parlamento. Mesmo condenado, só poderia ser preso após cumprir seu mandato de maneira integral, ou após ser removido do cargo por processo movido e votado dentro do próprio Congresso.

Mendes registra o cumprimento da lei pelo Judiciário como um “humor do fascismo”, e o arrepio da mesma como a “situação ideal”. Para Mendes, e para o setor da esquerda representado por ele, uma situação política em que o Judiciário controla todo o Legislativo brasileiro, eleito, ao invés dos votos. Se é para tanto, Mendes deveria ser mais honesto e declarar sua posição abertamente: pelo fim das eleições, que os tribunais sejam os legisladores.

Categorized in:

Governo Lula,

Last Update: 03/02/2025