A Justiça Federal em Sergipe condenou os três ex-policiais rodoviários federais responsáveis pela morte de Genivaldo Jesus Santos, homem negro torturado no porta-malas de uma viatura da PRF. A sentença foi lida na madrugada deste sábado 7, mais de dez dias após o início do júri popular. O crime aconteceu em 2022.

  • Paulo Rodolpho Lima Nascimento foi condenado a 28 anos de prisão por homicídio triplamente qualificado;
  • Kléber Nascimento Freitas foi sentenciado a 23 anos, um mês e nove dias de reclusão por tortura seguida de morte; e
  • William Barros Noia foi sentenciado a 23 anos, um mês e nove dias de reclusão por tortura seguida de morte.

As penas de William e Kleber foram agravadas pelo motivo fútil, pela asfixia e pelas circunstâncias que impossibilitaram a defesa da vítima. Além disso, foram considerados os fatos de o crime ter sido cometido por agentes públicos e contra pessoa com deficiência, conforme o Código de Processo Penal e a Lei n° 9455/1997.

Os três estavam presos desde outubro de 2022 no Presídio Militar de Sergipe. Eles foram denunciados pelo Ministério Público Federal por homicídio triplamente qualificado e tortura-castigo, cujas penas poderiam chegar a 40 anos de prisão. Também foram alvos de processo administrativo que resultou na demissão do grupo da PRF, em agosto do ano passado.

O julgamento

Sob forte esquema de segurança, o júri popular teve início em 26 de novembro no Fórum da Justiça Federal em Estância (a quase 70 km de Aracaju). Foram convocadas 30 testemunhas e seis peritos – do total, oito foram dispensadas. A fase de depoimentos foi encerrada na última quarta-feira. No dia seguinte, prestaram esclarecimentos os três ex-PRFs.

William de Barros Noia foi o primeiro a depor. O interrogatório durou quase quatro horas. O ex-policial disse que pediu reforço à equipe após Genivaldo supostamente não obedecer aos seus comandos. Também afirmou não ter tido a intenção de matar o homem. E alegou ter percebido o uso do gás lacrimogênio no porta-malas da viatura após seu colega Paulo Rodolpho ter acionado o dispositivo. O ex-PRF não respondeu aos questionamentos do MPF.

Paulo Rodolpho, por sua vez, confirmou não ter avisado sobre o uso do gás e disse ter lançado o dispositivo diante da “impossibilidade” de conter Genivaldo. Ele ainda pontuou que entraria no porta-malas da viatura com a substância “porque confia em tudo que lhe foi ensinado”. Seu depoimento durou cerca de sete horas.

Último a depor, Kleber Nascimento falou por mais de três horas. Iniciou dizendo que nenhum policial tem a intenção de matar ao sair de casa e alegou que de atestado médico no dia do crime, mas foi trabalhar a pedido de um colega já que a operação em Umbaúba integrava um programa nacional de combate à criminalidade.

Além disso, o ex-PRF admitiu ter utilizado o spray de pimenta por cinco vezes contra a vítima e afirmou ter tentado reanimar Genivaldo após ele ter inalado o gás lacrimogêneo. Nascimento não respondeu aos questionamentos do MPF.

Nesta sexta-feira, último dia de julgamento, os debates entre acusação e defesa duraram cerca de 9 horas. Até o momento, os advogados dos réus não se manifestaram sobre a sentença proferida pelo Tribunal do Júri. O espaço segue aberto.

Relembre o crime

O caso aconteceu em 25 de maio de 2022. Naquele dia, Genivaldo, de 38 anos, acordou para cumprir uma rotina com a qual já havia se habituado desde que passou a morar em Umbaúba, cidade de 22 mil habitantes distante quase 100 quilômetros de Aracaju.

Antes de levar o filho Enzo à escola, conferiu os bolsos para certificar-se que não estava esquecendo a cartela de Quetiapina 25mg, medicação prescrita quando foi diagnosticado com esquizofrenia, aos 18 anos. Antes de buscá-lo, ao meio-dia, foi à casa da irmã, Damarise, localizada em uma das vias centrais da cidade. Lá, Genivaldo pediu emprestada sua moto e disse que logo a devolveria.

No caminho de volta, agentes da PRF que patrulhavam as redondezas abordaram Genivaldo. Às margens da BR-101, uma rodovia importante para o escoamento da produção de estados do Nordeste para o resto do País, ele foi derrubado no chão, teve as mãos algemadas e os pés amarrados com fitas. Também foi alvo de xingamentos, rasteira e chutes. Depois, foi imobilizado por dois agentes que colocaram os joelhos sobre seu tórax.

No boletim de ocorrência, os policiais Kleber Nascimento Freitas, Paulo Rodolpho Lima Nascimento e William de Barros Noia afirmaram que o sergipano foi parado por não usar capacete. Relatam, ainda, que ele havia se recusado a levantar a camisa e colocar as mãos na cabeça – o que, segundo o documento, teria aumentado “o nível de suspeita da equipe”.

As imagens do episódio, porém, atestam que não houve reação à abordagem. Ainda assim, Genivaldo ainda foi introduzido no porta-malas da viatura da corporação e obrigado a inalar gás lacrimogêneo.

Nas gravações da cena, é possível ver fumaça escapando da viatura enquanto Genivaldo grita e tenta escapar do compartimento. Nem mesmo os gritos de “vai matar o cara” e os celulares apontados para aquela sessão de tortura foram capazes de impedir a ação. Os avisos de que o procedimento poderia ser fatal foram recebidos com deboche pelos policiais.

Um dos agentes dizia: ‘ele está melhor do que nós, lá dentro é ventilado’. E meu irmão lá dentro, com a cabeça baixa, todo pálido, relembra Damarise dos Santos, irmã da vítima.

No boletim de ocorrência, os três agentes da PRF chegaram a admitir o uso de gás, mas atribuíram a morte a um suposto mal súbito: “Por todas as circunstâncias, diante dos delitos de desobediência e resistência, após ter sido empregado legitimamente o uso diferenciado da força, tem-se por ocorrida uma fatalidade, desvinculada da ação policial legítima”, afirmou a equipe.

O laudo do Instituto Médico Legal apontou que a principal causa da morte foi asfixia mecânica. O órgão, no entanto, não soube definir o que provocou a insuficiência respiratória. “Foi identificado de forma preliminar que a vítima teve como causa mortis insuficiência aguda secundária a asfixia. A asfixia mecânica é quando ocorre alguma obstrução ao fluxo de ar entre o meio externo e os pulmões”.

A perícia realizada pela Polícia Federal durante as investigações concluiu que Genivaldo passou 11 minutos e 27 segundos em meio a gases tóxicos dentro da viatura. Com a detonação do gás lacrimogêneo, houve a liberação de gases tóxicos, como monóxido de carbono e ácido sulfídrico.

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Last Update: 07/12/2024