
Por Ana Oliveira e Felipe Borges
Pragmatismo Político
Nos primeiros dias de 2025, Rafael* e Soraia*, moradores de Presidente Médici, em Rondônia, celebravam com entusiasmo a posse de Donald Trump em seu novo mandato como presidente dos Estados Unidos. Evangélicos, conservadores e indocumentados, viviam na Flórida com o filho de quatro anos e acreditavam que o republicano fortaleceria o país contra o crime, protegeria famílias “de bem” e garantiria estabilidade para trabalhadores imigrantes como eles.
A ilusão ruiu em abril, quando agentes do ICE (Serviço de Imigração e Alfândega dos EUA) os convocaram para uma reunião que seria, supostamente, sobre o processo migratório do casal. Ao chegar ao local indicado, os celulares foram apreendidos e, em menos de 48 horas, a família estava a bordo de um avião de volta ao Brasil — sem tempo para retornar à casa onde viviam ou recolher os próprios pertences.
Hoje, vivem num pequeno quarto na casa da sogra de Rafael, sustentados pela aposentadoria do pai dele. O cenário contrasta com os anos em que Rafael ganhava cerca de 200 dólares por dia na construção civil em Deerfield Beach. Segundo Soraia, o marido, de 36 anos, passou a se recolher em silêncio desde que voltaram. “Ele não é de chorar, mas anda calado pelos cantos”, conta.
A volta forçada agravou também a condição de saúde de Soraia, que sofre de uma doença autoimune rara e vinha sendo tratada com um medicamento experimental nos EUA. No hospital público de Presidente Médici, a médica que a atendeu precisou pesquisar no CID (Classificação Internacional de Doenças) para compreender do que se tratava. Ela agora aguarda uma consulta com um especialista pelo SUS, ainda sem previsão.
Durante seu período nos Estados Unidos, Rafael já vinha sendo monitorado com tornozeleira eletrônica. Mesmo assim, insistia que a melhor saída era manter a colaboração com as autoridades migratórias. O casal chegou a cogitar mudar de estado, mas acabou convencido de que o diálogo com o governo seria o caminho mais seguro. “Se soubéssemos que seria assim, teria dito para arrancarmos a tornozeleira e sumirmos”, lamenta Soraia.
O caso de Rafael e Soraia se soma a uma crescente lista de brasileiros que enfrentam a intensificação das deportações desde a posse de Trump. Estima-se que cerca de 230 mil brasileiros vivam ilegalmente nos Estados Unidos. Muitos deles demonstraram apoio explícito ao ex-presidente, apesar das promessas reiteradas de endurecimento das políticas migratórias. “Ele só está cumprindo o que prometeu. Mas ninguém acreditava que ia chegar nesse nível”, comenta um brasileiro indocumentado que vive em Massachusetts.
Consultorias especializadas em imigração relatam aumento expressivo na procura por orientação legal desde janeiro. Segundo Vinicius Rosa, diretor da Legacy Imigra, empresa que assessora brasileiros nos EUA, há uma frustração generalizada entre os apoiadores de Trump. “Quatro em cada cinco clientes brasileiros votaram nele. Agora estão chocados com as consequências. O brasileiro se vê como honesto, mas entrou de forma desonesta e pagou pra ver”, afirma.
Desde o início do ano, o ICE triplicou as operações de busca por imigrantes. Os voos com deportados têm chegado ao Brasil com frequência quinzenal, em número superior ao registrado durante o governo Biden. A ofensiva tem contado com apoio de forças policiais locais e, em algumas regiões, também de militares.
Antes da deportação, Soraia postou nas redes sociais uma foto da família vestida com camisetas estampando a frase “2025, ano profético”. O entusiasmo deu lugar à súplica. No status atual do WhatsApp, a legenda diz: “Senhor meu Deus, não desista de mim”.
Com uma dívida estimada em R$ 50 mil contraída com o coiote que os ajudou a cruzar a fronteira entre México e EUA, a família tenta recomeçar do zero. Procuram emprego, cuidam da saúde e tentam reorganizar a vida no Brasil, agora com o peso da frustração de um sonho que se transformou em pesadelo.
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