Caro Mustafa,
Recebi sua carta e a notícia de que fui aceito no departamento de Engenharia Civil da Universidade da Califórnia. Quero agradecer por tudo, meu amigo. No entanto, vou lhe dizer algo que talvez você ache estranho – e não tenho dúvidas, não hesito nem um pouco, na verdade nunca enxerguei as coisas tão claramente como agora. Não, meu amigo, mudei de ideia. Não vou segui-lo para a terra onde há vegetação, água e rostos encantadores, como você escreveu. Não, vou ficar aqui e não sairei nunca mais.
Estou realmente triste por nossas vidas não seguirem o mesmo caminho, Mustafa. Quase posso ouvi-lo me lembrar do nosso juramento de seguirmos juntos e de como costumávamos gritar: “Vamos ficar ricos!” Mas não há nada que eu possa fazer, meu amigo. Sim, ainda me lembro do dia em que fiquei no saguão do aeroporto do Cairo, apertando sua mão e encarando o motor frenético. Naquele momento, tudo girava no ritmo do estrondoso motor, e você estava na minha frente, seu rosto arredondado em silêncio.
Seu rosto não havia mudado desde a época em que crescíamos juntos no bairro de Shajiya, em Gaza, exceto por algumas rugas. Crescemos juntos, nos entendendo completamente, e prometemos continuar assim até o fim. Mas…
Nunca esquecerei a perna amputada de Nadia, desde o topo da coxa. Não! Nem esquecerei o pesar que moldara seu rosto e se fundira em seus traços para sempre. Saí do hospital em Gaza naquele dia, com minha mão apertando, em silenciosa zombaria, as duas libras que tinha trazido para dar a Nadia. O sol escaldante enchia as ruas com a cor do sangue.
E Gaza era completamente nova, Mustafa! Você e eu nunca a vimos assim. As pedras amontoadas no início do bairro de Shajiya, onde morávamos, tinham um significado, e pareciam estar ali apenas para explicá-lo. Essa Gaza em que vivíamos, e com cujo bom povo compartilhamos sete anos de derrota, era algo novo. Pareceu-me apenas um começo. Não sei por que pensei que era apenas um começo. Imaginei que a rua principal pela qual caminhava no caminho de volta para casa era apenas o início de uma longa, longa estrada que levava a Safad. Tudo nesta Gaza pulsava com uma tristeza que não se limitava ao choro. Era um desafio: mais do que isso, era algo como a recuperação da perna amputada!
Continuei caminhando pelas ruas de Gaza, ruas cheias de luz ofuscante. Contaram-me que Nadia perdeu a perna quando se lançou sobre seus irmãos mais novos para protegê-los das bombas e das chamas que haviam cravado suas garras na casa. Nadia poderia ter se salvado, poderia ter fugido, resgatado sua perna. Mas ela não fez isso.
Por quê?
Não, meu amigo, não irei para Sacramento, e não tenho arrependimentos. Não, e tampouco terminarei o que começamos juntos na infância. Esse sentimento obscuro que você teve ao deixar Gaza, esse pequeno sentimento precisa crescer até se tornar um gigante dentro de você. Ele precisa se expandir, você precisa buscá-lo para encontrar a si mesmo, aqui, entre os escombros feios da derrota.
Eu não irei até você. Mas você, volte para nós! Venha para aprender com a perna de Nadia, amputada no topo da coxa, o que é a vida e qual é o valor da existência.
Volte, meu amigo! Estamos todos esperando por você.