Carta Brasil 2000 (II)
por Izaías Almada
Na sequência dos textos que foram escritos para a revista comemorativa sobre o PRIMEIRO FÓRUM NACIONAL DA IDENTIDADE BRASILEIRA, no ano de 2001, vou deles selecionar alguns dos parágrafos que se destacam pela curiosa ideia de serem redigidos como aquele que foi escrito por Pero Vaz de Caminha em 1500 ao rei de Portugal.
Começo pelo que foi escrito por Orlando Villas Boas (*):
“Posto que acadêmicos e intelectuais desta São Paulo houvessem por bem, nesta passagem dos cinco séculos, que alguém, o menos acadêmico possível, parafraseasse Pero Vaz de Caminha que a mando do Chefe da Armada comunicasse a seu Rei a descoberta de um novo mundo, eis que, bem ou mal, coube-me a dura incumbência de levar a Vossa Mercê os bons e malefeitos que os cinco séculos cobriram, ou melhor, encobriram! Seria de um volume enorme a narrativa proposta. Daí recomendarem que nos caberia a fase do encontro e desencontro dos “chegantes” com os donos da terra – os índios”.
“Estamos às portas de duas datas importantes e significativas. Uma dando os primeiros passos para o terceiro milênio, a outra, que nos fala mais de perto, marca os 500 anos da invasão da frota Cabralina. Pesquisadores, já da nossa era, refizeram a rota das Caravelas e constataram que o “encontro” no continente não foi bem em Porto Seguro e sim na foz do Jequitinhonha. Isto, contudo, não altera a história. Bom seria, para os índios, se a navegação houvesse parado por lá. O infortúnio, porém, levou os invasores costa abaixo. Ali foram eles surpreendidos por uma gente forte, nua, que sem medo corria desenvolta pelas praias. E tantos eram e tão alegres estavam que invadiram as naves. Os invasores, sem imaginar, estavam ganhando um Continente e eles, os índios, até então donos absolutos da terra, davam os primeiros passos rumo a um futuro trágico”.
“A Índia distante, destino das naves, foi sendo esquecida. A floresta, pela sua exuberância nascida em terra boa e tudo o mais que ela escondia, viria, sem dúvida. A valer muito mais do que todas as especiarias da Ásia longínqua”.
“As atividades dos invasores se atropelaram na fúria de ganhos rápidos – mineração, drogas da mata, cana-de-açúcar, madeira e tudo o mais que cheirasse lucro. Para isso era imprescindível o concurso do índio. Isto, claro, deu origem a outra atividade trabalhosa, mas lucrativa:o preamento do índio para o trabalho”.
“Calcula-se que, nessa época, desapareceram inúmeras nações indígenas, isto sem falar naquelas que se dispersaram e, assim desintegradas, perderam a sua majestade tribal”.
“O índio num aspecto geral não é, como poderíamos imaginar, um homem sem lei que vagueia pela mata, armado de pesado tacape, matando e destruindo o que encontra. Não. Eles não são bárbaros. Nos seus domínios, têm caminhos certos, assim como no seu mundo moral têm regras e leis, valores e fins. Constituem eles uma sociedade estável. Sua vida espiritual não é , como se poderia pensar, um amontoado de superstições e idéias sem nexo. Possuem uma verdadeira religião cujos postulados fundamentais são a imortalidade da alma e o culto aos mortos”.
“Não sabemos se em outros países do continente o direito dos povos primitivos participa da Constituição. Aqui, a nossa de 1988 foi minuciosa na defesa do índio. Se na prática houver alguma distorção cabe ao órgão assistencial sacudi-la com veemência. Aliás, distorções surgem aos montes! Os novos donos da terra se esqueceram, ou fizeram de conta que haviam chegado a um continente vazio”.
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(*)-Orlando Villas-Boas (Santa Cruz do Rio Pardo, 12 de janeiro de 1914 — São Paulo, 12 de dezembro de 2002) foi um sertanista brasileiro. Segundo algumas fontes, Orlando teria nascido em Botucatu, no interior de São Paulo, embora registrado em Santa Cruz do Rio Pardo, município do qual seu pai, Agnelo, era prefeito entre 1914 e 1916.
Era o mais velho dos irmãos Villas-Boas – Cláudio, Leonardo e Álvaro. Com Cláudio e Leonardo, Orlando fez o reconhecimento de numerosos acidentes geográficos do Brasil central, motivo pelo qual recebeu, em 1967, a Medalha do Fundador da Royal Geographical Society. Em suas expedições, os irmãos abriram mais de 1 500 quilômetros de picadas na mata virgem, onde surgiram vilas e cidades. Foi indicado duas vezes para o Prêmio Nobel da Paz, com Cláudio, em 1971 e, em 1975, pelo resgate das tribos xinguanas.
Izaías Almada é romancista, dramaturgo e roteirista brasileiro nascido em BH. Em 1963 mudou-se para a cidade de São Paulo, onde trabalhou em teatro, jornalismo, publicidade na TV e roteiro. Entre os anos de 1969 e 1971, foi prisioneiro político do golpe militar no Brasil que ocorreu em 1964.
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