Capitalismo sem Rivais e com Variantes

por Fernando Nogueira da Costa

O livro “Capitalismo Sem Rivais: O futuro do sistema que domina o mundo” (São Paulo: Todavia, 1ª ed., 2020, 376 páginas) de Branko Milanović detalha as diferenças entre três tipos históricos de capitalismo: o clássico, o social-democrático e o meritocrático liberal. Essas diferenças são analisadas em termos de divisão de renda, composição de classes, mobilidade social e casamentos.

O Capitalismo Clássico é caracterizado por uma clara separação entre capitalistas e trabalhadores. Os capitalistas obtêm renda exclusivamente do capital (propriedades, investimentos etc.), enquanto os trabalhadores obtêm renda exclusivamente do trabalho. Essa divisão não se sobrepõe, ou seja, não há ainda indivíduos capazes de receberem renda tanto do capital quanto do trabalho.

A sociedade é dividida em duas classes distintas: uma classe capitalista ociosa (sem trabalhar) e uma classe trabalhadora. A desigualdade é elevada devido à concentração de capital e ao alto retorno sobre o capital. No entanto, essa desigualdade não é agravada pela sobreposição de renda do trabalho e do capital nos mesmos indivíduos, porque as classes são separadas.

A mobilidade social é relativamente baixa, com a riqueza sendo transmitida de geração em geração. Há uma redistribuição mínima de renda através de impostos e transferências sociais. O Reino Unido, antes de 1914, é usado como exemplo histórico representativo do Capitalismo Clássico.

Assim como nele, há no Capitalismo Social-Democrático uma divisão entre capitalistas e trabalhadores, com a maioria obtendo renda apenas de um dos fatores de produção, mas essa divisão é menos rígida, com alguma sobreposição. As classes sociais são menos definidas, diante o ocorrido no Capitalismo Clássico, com uma maior interação entre capitalistas e trabalhadores.

A desigualdade é moderada devido a uma redistribuição de renda através de impostos progressivos e transferências sociais. O Estado desempenha um papel-chave no bem-estar social, com serviços públicos como assistência médica e educação acessíveis a todos os cidadãos em países com população pequena.

Há uma maior mobilidade social em comparação com o Capitalismo Clássico, facilitada pelo acesso relativamente igual à educação. O sistema de tributação e transferências serve a programas sociais ativos. A Europa Ocidental e os Estados Unidos, do fim da Segunda Guerra Mundial até o início dos anos 1980, são usados como exemplos históricos do capitalismo social-democrático.

No Capitalismo Meritocrático Liberal, a maioria das pessoas obtém renda tanto do trabalho quanto do capital, com a parcela da renda do capital aumentando com o nível de renda. Os indivíduos mais ricos tendem a ter uma parcela substancial da sua renda proveniente do capital. Porém, passa a haver uma sobreposição significativa entre os ricos em capital e os ricos em trabalho.

Há uma tendência para a formação de uma elite de classe alta, com pessoas ricas em capital sendo também ricas em trabalho: homoplutia. Essa sobreposição de rendimentos dificulta a implementação de políticas de redução da desigualdade.

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A desigualdade é mais alta diante o Capitalismo Social-Democrático, gerada pelo aumento da parcela do capital na renda total, pela concentração de renda e riqueza, pelos acasalamentos preferenciais e pela transmissão intergeracional de vantagens. A concentração da renda do capital é extrema, com a maior parte da renda do capital sendo apropriada pelos ricos.

A mobilidade social é menor em comparação com o Capitalismo Social-Democrático, apesar da ausência de barreiras legais. Ela é dificultada pela transmissão de vantagens entre gerações e pelo investimento da classe alta em educação privada.

O sistema de tributação e transferências redistribui uma parte da renda, mas o separatismo social (investimento em saúde e educação privadas) reduz o efeito dessa redistribuição. Os Estados Unidos no século XXI são usados como exemplo representativo do Capitalismo Meritocrático Liberal.

Lá, atualmente, pessoas ricas em termos de capital tendem a ser também ricas em termos de trabalho com alto “capital humano”, isto é, capacidade pessoal de ganho. Enquanto as pessoas ocupantes do topo da distribuição de renda sob o Capitalismo Clássico eram financistas, rentistas e donos de grandes grupos industriais, sem serem contratadas, e, portanto, não tendo nenhuma renda advinda do trabalho, hoje uma porcentagem grande de pessoas do topo da distribuição de renda são gestores muito bem pagos, web designers, médicos, consultores financeiros e outros profissionais da elite.

A presença de uma alta renda vinda do trabalho no topo da distribuição geral de renda, se associada a uma alta renda proveniente do capital nas mãos dessas mesmas pessoas, aprofunda a desigualdade. Essa é uma peculiaridade do Capitalismo Meritocrático Liberal, algo jamais visto nessa dimensão.

Quando os economistas estudam a desigualdade de renda ou de riqueza, utilizam o domicílio como unidade de observação. Logo, é decisiva a questão dos modelos de casamento vigentes sob as diferentes formas de capitalismo.

No período posterior à Segunda Guerra Mundial, os homens tendiam a se casar com mulheres do mesmo status social, mas, quanto mais rico fosse o marido, menos provável seria a esposa trabalhar e ter o próprio rendimento. Hoje em dia, os homens mais ricos e bem formados tendem a se casar com as mulheres mais ricas e bem formadas – e inseridas no mercado de trabalho. Aumenta a renda domiciliar.

São situações de acasalamento preferencial. Como tanto homens quanto mulheres preferem atualmente se unir a pessoas parecidas com eles, o aumento da homogamia constitui um fator a mais para elevar a desigualdade de renda.

Branko Milanović pesquisa a transmissão de vantagens adquiridas, em especial a riqueza e o “capital humano”, de geração em geração, estudada a partir da relação entre as rendas de pais e filhos. Ela tem sido menos pronunciada em sociedades contemporâneas mais igualitárias, onde o acesso à educação é facilitado, o custo do ensino é bancado pelos contribuintes e a tributação da herança é alta.

O autor analisa seis itens nos quais o Capitalismo Meritocrático Liberal apresenta características resultantes no aumento da desigualdade. Ele se caracteriza por um aumento na parcela da renda do capital em detrimento da renda do trabalho. Esse fenômeno ocorre devido ao enfraquecimento do poder de barganha sindical da mão de obra, mudanças na organização do trabalho e globalização.

Uma característica distintiva do Capitalismo Meritocrático Liberal é a presença de pessoas com alta renda tanto do capital quanto do trabalho, um fenômeno chamado de “homoplutia”. Os indivíduos mais ricos não são apenas possuidores de muito capital, mas também são recebedores de altos salários ou bonificações. Concentra-se renda do capital e do trabalho nas mesmas pessoas.

No Capitalismo Meritocrático Liberal, há uma maior incidência de acasalamentos preferenciais entre pessoas de classes sociais semelhantes. Esse fenômeno, chamado de homogamia, contribui para a concentração de riqueza e vantagens.

Há uma tendência de a riqueza e o capital humano serem transmitidos de geração em geração, perpetuando a desigualdade intergeracional, com filhos de famílias ricas tendo acesso a melhores oportunidades profissionais em comparação com filhos de famílias pobres. Essa transmissão é menor em sociedades mais igualitárias com acesso facilitado à educação e alta tributação sobre heranças.

A renda do capital é mais desigualmente distribuída diante a renda do trabalho. O Capitalismo Meritocrático Liberal também se caracteriza por uma alta concentração de riqueza, combinada com a alta concentração de renda, levando a uma polarização entre elites socioeconômicas e o restante da população.

Com menos filhos e as pessoas vivendo por mais tempo, a tendência é a riqueza dos descendentes crescer mais diante a riqueza média por adulto. As pessoas acumulam mais riqueza por meio dos juros compostos (“juros sobre juros”) conforme o envelhecimento.

O Capitalismo Liberal moderno herda instrumentos de redistribuição do Capitalismo Social-Democrático e isso ajuda a manter a desigualdade em um nível inferior se caso fosse determinado apenas pelo mercado. Além disso, alguns fatores de aumento da desigualdade no Capitalismo Meritocrático Liberal são vistos como moralmente aceitáveis e até desejáveis, como a capacidade de enriquecer pelo trabalho e a maior participação das mulheres no mercado de trabalho. São novos componentes interativos da evolução sistêmica capitalista.


Fernando Nogueira da Costa – Professor Titular do IE-UNICAMP. Baixe seus livros digitais em “Obras (Quase) Completas”: http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/ E-mail: [email protected]

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Last Update: 10/02/2025