Alvo de uma investigação criminal desde que denunciou fraude nas eleições de 28 de julho na Venezuela, o candidato da oposição Edmundo González Urrutia está convocado para depor nesta segunda-feira 26 no Ministério Público, uma ação que ele considera não apresentar garantias de respeito ao devido processo legal.
Passadas às 10h locais (11h em Brasília), horário da convocação, González não havia aparecido na sede do MP em Caracas, constataram equipes da AFP no local. Era esperado que isso aconteceria, já que González não aparece em público há três semanas.
“O procurador-geral da República (Tarek William Saab) tem se comportado reiteradamente como um acusador político. Condena por antecipação e agora promove uma intimação sem garantias de independência e do devido processo”, afirmou o diplomata de 74 anos, que reivindica a vitória nas urnas sobre o presidente Nicolás Maduro, em um vídeo divulgado nas redes sociais.
“O Ministério Público pretende submeter-me a uma entrevista sem especificar em que condição devo comparecer (acusado, testemunha ou especialista, segundo a lei venezuelana) e com a pré-qualificação de crimes não cometidos”, acrescentou González, que apareceu em público pela última vez dois dias depois das eleições, durante uma manifestação da oposição na capital.
Ameaçado de prisão por Maduro, que o chamou de “covarde”, Urrutia se limita desde então a pronunciamentos via internet.
“Terá que mostrar a cara”, declarou na sexta-feira o procurador Saab em referência a Urrutia, a quem responsabiliza, ao lado da líder da oposição María Corina Machado, por atos de violência nos protestos pós-eleitorais que deixaram 27 mortos – incluindo dois militares –, quase 200 feridos e mais de 2.400 detidos.
‘Irregularidades’
O Conselho Nacional Eleitoral (CNE), próximo ao chavismo, proclamou a reeleição de Maduro para um terceiro mandato de seis anos, com 52% dos votos, sem publicar as atas de votação de cada seção, como a lei exige. O organismo alega que seu sistema foi alvo de um ataque de hackers.
A oposição afirma que González Urrutia venceu com 67% dos votos, segundo as cópias das atas que publicou na internet, que o chavismo considera “forjadas”.
Após um recurso de Maduro, o Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) validou em 22 de agosto os resultados e acusou González de “desacato” por se recusar a comparecer às audiências. O opositor alegou que seu direito À defesa foi limitado.
Um dos diretores da autoridade eleitoral, Juan Carlos Delpino, da Venezuela denunciou nesta segunda-feira “irregularidades” nas eleições de 28 de julho.
“Tudo o que aconteceu antes durante e depois das eleições presidenciais indica a gravidade da falta de transparência e veracidade dos resultados anunciados”, escreveu Delpino, que disse não estar presente quando os resultados foram contabilizados totalmente.
30 anos de prisão?
A convocação de González foi anunciada no sábado no âmbito de uma investigação por “usurpação de funções, falsificação de documento público, instigação à desobediência às leis, crimes cibernéticos, associação para cometer um crime e conspiração”, segundo um documento divulgado pelo MP.
O advogado Joel García, que defende opositores presos, alertou que “por todo o catálogo de crimes, a pena pode chegar a 30 anos”, o período máximo no país.
García denuncia “vícios” na intimação, que convoca González a “dar entrevista” sem esclarecer “em que qualidade foi convocado”.
“Parece que ele é acusado (…) Se este é o caso (…) ele deve comparecer acompanhado da sua defesa. Então, o convocado comparece aos tribunais e, em um tribunal de controle, o advogado de defesa é nomeado e é quando pode comparecer”, disse o jurista à AFP. “Se não acontecer desta maneira, qualquer coisa que declarasse seria nula”, acrescenta.
Se uma pessoa intimada não comparece, o Ministério Público pode solicitar um mandado de prisão a um tribunal.
Machado convocou protestos para a próxima quarta-feira.
A independência do CNE e do TSJ foram questionadas por uma missão da ONU que avalia a situação dos direitos humanos na Venezuela. Estados Unidos, 10 países da América Latina e o chefe da diplomacia da União Europeia, Josep Borrell, rejeitaram a decisão do TSJ.
Em um esforço para obter uma negociação entre Maduro e a oposição, os presidentes do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, e da Colômbia, Gustavo Petro, insistiram em um comunicado conjunto na “publicação transparente dos dados desagregados por seção eleitoral e verificáveis”.
Lula e Petro apresentaram a proposta de novas eleições, uma ideia rejeitada pelos dois lados.