Roberto Campos Neto, ex-presidente do Banco Central (2019–2024). Foto: Raphael Ribeiro/BCB

Em sua primeira entrevista após cumprir o período de quarentena, Roberto Campos Neto, ex-presidente do Banco Central (2019–2024) disse que qualquer decisão sobre as contas públicas no Brasil atualmente esbarra em uma disputa política entre ricos e pobres. A declaração foi feita à Folha de S.Paulo, um dia antes de ele assumir os cargos de vice-chairman e chefe global de políticas públicas do Nubank, em 1º de julho.

Na conversa, Campos Neto respondeu às críticas do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, sobre a suposta herança de juros altos deixada para o atual presidente do BC, Gabriel Galípolo. Ele também defendeu um plano fiscal ousado para conter o crescimento da dívida pública, avaliou o atual cenário político e econômico, rechaçou especulações sobre envolvimento eleitoral e comentou propostas tributárias em discussão. Veja os principais trechos:

Após a quarentena, como recebeu a crítica recente de Haddad de que a última alta de juros foi uma herança deixada pelo sr. para Gabriel Galípolo?

Tenho o hábito de não fazer crítica a pessoas e sim a ideias. Como já tinha um presidente que convivia entre a gente, decidi que, a partir de algum momento, quando fosse chegando perto da minha saída, o peso dele fosse sendo maior nas decisões. Ele veio a público e corroborou isso.
A história mostrou que é uma narrativa política infundada. Acho triste que se priorize a construção de uma narrativa em vez de se procurar uma solução estrutural para o problema. Empobrece o debate. Estive com Galípolo agora na Suíça. Voltei no avião com ele.

Como avalia o trabalho dele à frente do BC?

Não tenho nenhum reparo a fazer. Eles têm atuado de forma técnica, comunicado com transparência. Está fazendo um trabalho irretocável. Só que o problema não está no lado monetário, está no lado fiscal. O BC é um pouco passageiro desse momento fiscal, onde tem uma incerteza, uma guerra de narrativas. Inseriu-se um elemento político dentro do debate fiscal, que eu acho que está muito forte hoje.

Campos Neto e o ministro da Fazenda Fernando Haddad. Foto: Reprodução

Que elemento político é esse?

Qualquer decisão hoje do fiscal também cai na polarização política, na disputa entre ricos e pobres. A esquerda teve várias ideias boas em relação a programas no passado. A direita também teve várias ideias boas. Agora, existe uma falta de credibilidade em relação à ancoragem fiscal. Para melhorar a expectativa do fiscal não é somente o que se vai fazer, mas também o que se comunica. A perspectiva da convergência através do canal de credibilidade é o mais importante.

Qual seria a estratégia acertada?

O Brasil tem uma dívida muito alta. Sem reverter, poderemos ter movimentos moderados de queda ou de alta, mas a âncora está no fiscal. Estamos num momento em que, mesmo quando se arrecada muito mais, não se consegue produzir superávits. Sem ter condições de cair muito os juros, vamos para um déficit nominal que fica preso em uma faixa ao redor de 8%. Como não conseguimos gerar um primário positivo, nossa dívida vai crescer em torno de 3 a 5 pontos porcentuais ao ano. Como nossa dívida já é a maior do mundo emergente, este crescimento é muito grave. Precisamos de um plano ambicioso.

(…)

Quando os juros vão começar a cair de forma consistente?

Para mim, o importante não é se vai cair 1 ou 1,5 [ponto]. A gente precisa ter uma interpretação do mercado de que o governo é sério. Precisa de medidas fiscais. Falei no passado que o governo, se quisesse trabalhar com juros mais baixos, precisava gerar um choque positivo de credibilidade no fiscal. Mais recentemente, disse: vai ter um choque positivo no fiscal, independente do governo, porque a gente não tem condições de avançar muito com nenhum tipo de política pública, não tem mais espaço de arrecadação. O choque fiscal vai acontecer sim ou sim. Vai ser feito de qualquer forma. Quanto mais cedo, melhor.

(…)

O sr. defende o fim da isenção?

Se for aumento da carga tributária, o Brasil não suporta mais. É preciso entender que, em vez de sempre adotar um discurso de que as empresas têm que pagar mais, precisamos ter uma base tributária que seja boa o suficiente para estimular o investimento privado, porque público a gente não tem. Às vezes, vejo um empresário que faz uma crítica ao Bolsa Família, aí ele apanha…

(…)

O governo dobrou a aposta nesse discurso. Qual a sua avaliação?

Gerar divisão na sociedade é muito ruim. Temos que gerar construção. Saiu um estudo recente dizendo que o Brasil é o maior país na América Latina que teve mais milionários que foram morar em outro país. Tem empresa fazendo listagem em Bolsa fora. Empresas que estão fechando o capital no Brasil, abrindo o capital fora. Em vez de reclamar que o empresário foi morar fora, temos que dizer: “Vem cá, como faço para manter você aqui dentro?”. Precisamos reverter isso e passar uma mensagem para as pessoas de que o empresário é importante.

(…)

Pretende colaborar numa eventual candidatura do governador Tarcísio à Presidência? Especula-se que seria ministro da Fazenda num eventual governo dele.

Eu? Acabei de entrar no Nubank. Nos últimos dois anos, falaram que eu ia fazer todo tipo de coisa, ser senador, governador, ministro, morar fora, que não me preocupava com o Brasil — o que, aliás, não é verdade. Sempre disse a mesma coisa. Minha área de interesse é finanças e tecnologia. Tarcísio tem dito repetidamente que vai ser candidato a governador. Só para a gente encerrar essa especulação, porque vou para o mundo privado. A resposta já está dada.

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Last Update: 06/07/2025