A Câmara dos Deputados decidiu, nesta quarta-feira (10), blindar a deputada Carla Zambelli (PL-SP) e rejeitar sua cassação, num gesto que intensifica a tensão já crescente entre o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF). Por 227 votos a 170, o plenário derrubou a punição, já que eram necessários 257 votos para que a cassação fosse confirmada.
A decisão contraria o parecer aprovado poucas horas antes pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), que havia recomendado a cassação com apoio inclusive de parte do Centrão.
Condenada, foragida e presa na Itália
Zambelli foi condenada em maio pelo STF à perda do mandato e a dez anos de prisão por ter participado da invasão ao sistema do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) com auxílio do hacker Walter Delgatti Neto.
A parlamentar também já havia sido sentenciada por sacar e apontar uma arma contra um homem na véspera do segundo turno das eleições de 2022, ação que também previa perda de mandato.
Foragida desde a condenação, Zambelli passou pela Argentina e pelos Estados Unidos antes de ser presa na Itália, para onde fugiu após seu processo transitar em julgado.
Corporativismo explícito
Nos bastidores, a votação é vista como um ato de autoproteção corporativa. Deputados consideraram a cassação “drástica demais” e compararam o caso ao do deputado Glauber Braga (PSOL-RJ), que teve o mandato preservado horas antes e recebeu uma suspensão de seis meses.
A manutenção do mandato de Zambelli também funcionou como um recado direto ao STF, em meio ao acúmulo de críticas de parlamentares à Corte. “Esta Casa não pode ser carimbadora de decisões do STF, esta Casa precisa zelar pelas suas prerrogativas”, afirmou o deputado Diego Garcia (Republicanos-PR), que havia apresentado um relatório inicial pela preservação do mandato, derrotado na CCJ.
A defesa da deputada também explorou esse discurso. O advogado Fabio Pagnozzi afirmou que a cassação abriria um “precedente perigoso” para parlamentares com ações no Supremo e atacou a robustez da investigação: “A única prova que eles julgam ser prova é o depoimento de um hacker”.
Em participação remota, Zambelli reforçou seu discurso conspiratório: “A justiça que eu peço hoje é a justiça para que o Parlamento continue sendo honrado. […] Eu fui a primeira pessoa que levantou a voz contra a ditadura do Supremo Tribunal Federal”.
Renúncia anunciada e desgaste inevitável
Mesmo poupada pela Câmara, a deputada não permanecerá no cargo. No plenário, sua defesa surpreendeu ao anunciar a renúncia. Segundo Pagnozzi, a decisão já estava tomada: “Zambelli foi muito clara: quando ela ganhasse aqui no plenário, ela pediria a renúncia, porque não quer incomodar seus colegas, ela só quer dignidade”.
Deputados da base governista reagiram lembrando que a permanência de Zambelli seria impossível, já que sua prisão no exterior tornaria inevitável a cassação por faltas. “Na prática, ela já está cassada”, afirmou Lídice da Mata (PSB-BA).
Ramagem e Eduardo Bolsonaro na fila
O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), acelerou a pauta disciplinar e anunciou que, antes do recesso, ainda devem ser votados os pedidos de cassação de Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e Alexandre Ramagem (PL-RJ), ambos implicados em investigações sobre espionagem ilegal e abuso de poder.