O Plenário da Câmara dos Deputados está reunida na tarde desta quarta-feira (10) para decidir dois processos de cassação de mandato — Carla Zambelli (PL-SP) e Glauber Braga (Psol-RJ) — no que já se configura como um dos julgamentos legislativos mais relevantes da legislatura. O caso de Alexandre Ramagem (PL-RJ) será votado na próxima quarta (17), após cumprir o prazo de defesa.
A sessão também reabre a disputa interna em torno da autoridade do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), depois do tumulto que marcou as últimas 24 horas.
As decisões desta semana e da próxima devem fixar diretrizes práticas sobre como a Câmara reagirá a condenações criminais do STF, faltas injustificadas e quebras de decoro. É a primeira vez, desde 2022, que três processos simultâneos chegam ao plenário em um intervalo tão curto.
Processo de Zambelli expõe disputa sobre competência decisória
A cassação de Carla Zambelli, condenada pelo STF a 10 anos de prisão e perda do mandato por invadir sistemas do CNJ, segue um rito híbrido. Mesmo com determinação expressa da Corte para que a perda do mandato fosse declarada pela Mesa Diretora, o presidente da Câmara optou por respeitar o entendimento majoritário da Casa, segundo o qual cassações exigem deliberação do plenário, garantindo ao parlamentar voto político e devido processo legislativo.
O gesto ampliou a tensão entre Poderes. A decisão de Motta de submeter o caso ao colegiado maior, em vez de cumprir diretamente a ordem do STF, causou forte reação de líderes partidários.
Antes de chegar ao plenário, o caso passou pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), onde o parecer contrário à cassação recebeu pedido de vista coletivo. Com a conclusão do exame ainda hoje, o relatório será enviado imediatamente ao plenário.
Para a cassação, são necessários 257 votos, quórum qualificado que transforma a deliberação em barômetro da postura da Câmara diante de decisões penais do STF envolvendo parlamentares.
A deputada fugiu para a Itália pouco antes do decreto de prisão e permanece detida no país europeu enquanto o Judiciário local analisa o pedido de extradição.
Ramagem terá rito abreviado, sem passar pela CCJ
O processo contra Delegado Ramagem, foragido nos Estados Unidos e condenado a 16 anos de prisão pela participação na tentativa de golpe de Estado, seguirá um procedimento distinto: o caso será diretamente levado ao plenário, sem análise prévia pela CCJ.
A decisão busca abreviar o rito por se tratar de condenação criminal definitiva. O processo foi publicado hoje no Diário Oficial da Câmara, abrindo o prazo de cinco sessões para defesa. A votação está marcada para o dia 17 de dezembro, seguindo entendimento de que condenações em regime fechado superior a 120 dias inviabilizam o exercício do mandato.
Esse rito tende a se consolidar como referência para futuros casos de parlamentares condenados criminalmente. Essa opção também ignora a determinação do STF de que a Mesa Diretora deveria declarar a perda do mandato devido à pena em regime fechado superior a 120 dias.
Glauber Braga: foco na proporcionalidade e no enquadramento regimental
No caso de Glauber Braga, acusado de quebra de decoro por expulsar, com empurrões, o integrante do Movimento Brasil Livre (MBL) Gabriel Costenaro das dependências da Câmara, o processo levanta debate sobre gradientes de punição e interpretação do Regimento Interno.
O Novo pede cassação, mas o deputado sustenta que o processo extrapola a proporcionalidade e que o plenário deve reafirmar o uso escalonado das penalidades regimentais.
O deputado alega perseguição política e afirma que a pena é desproporcional, já que o regimento prevê censura verbal ou escrita para atos dessa natureza, previstas especificamente para agressões físicas, desacato e desrespeito às normas de conduta. Glauber relaciona o processo às denúncias que fez contra o orçamento secreto e acusa Arthur Lira de articular sua cassação — o ex-presidente da Câmara nega.
O caso chegou ao plenário após conclusão no Conselho de Ética, e a deliberação deve esclarecer como a Câmara posiciona-se diante de conflitos físicos de menor gravidade e sua distinção em relação às infrações político-institucionais mais graves.
Eduardo Bolsonaro e o precedente sobre faltas injustificadas
Paralelamente, a Mesa Diretora prepara deliberação sobre o mandato de Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que ultrapassou o limite constitucional de faltas injustificadas após fixar residência nos Estados Unidos. Por envolver ausência prolongada e não condenação penal, o caso não irá ao plenário e deve ser decidido exclusivamente pela Mesa.
A votação deve consolidar um precedente importante: é impossível exercer mandato parlamentar residindo no exterior, linha que já havia sido sinalizada quando Motta rejeitou a indicação de Eduardo para a liderança da minoria. Ao tratar a perda de mandato pelo critério de faltas, a Câmara protege os direitos políticos de Eduardo, que garante a possibilidade de disputar eleições, apesar da atuação diplomática explícita contra o Brasil em Washington, que articulou o tarifaço de Donald Trump.
Um ciclo de decisões que pode redefinir o padrão de julgamentos legislativos
As deliberações desta quarta (10) e da próxima (17) caminham para estabelecer um corpo coerente de práticas sobre:
- aplicação do art. 55 da Constituição em casos de condenações criminais;
- alcance das prerrogativas do plenário para cassações;
- papel da CCJ e do Conselho de Ética como filtros processuais;
- escalonamento das punições previstas no Regimento;
- limites do exercício do mandato diante de ausências prolongadas;
- coordenação institucional entre Câmara e STF na aplicação de penas.
Ao final deste ciclo, a Câmara tende a fixar jurisprudência interna mais nítida — tanto para cassações derivadas de decisões judiciais quanto para casos disciplinares e de frequência parlamentar — com impacto direto sobre a estabilidade normativa do Legislativo nos próximos anos.
Tumulto no plenário expõe desgaste do presidente da Câmara
A antecipação das votações, anunciada por Motta ontem (9), sem acordo prévio com líderes partidários, desencadeou crise imediata. O clima azedou depois que o presidente anunciou que, além da agenda econômica combinada com o governo, pautaria a dosimetria penal — que reduz penas dos envolvidos em atos golpistas — e as cassações de Glauber e Zambelli.
Parlamentares relataram que a decisão contrariou o que havia sido combinado na noite anterior, gerando forte irritação. O episódio escalou quando Glauber Braga ocupou a cadeira da presidência, provocando a intervenção da Polícia Legislativa e a expulsão forçada do deputado, de jornalistas e da imprensa presente no plenário.
Líderes governistas criticaram duramente a ação, acusando Motta de ter criado a crise ao pautar temas sensíveis sem construção prévia e de adotar tratamento distinto em relação a episódios recentes.
Comparação com invasão do PL reacende acusações de parcialidade
A resposta dura contra Glauber contrastou com a postura adotada por Motta durante a ocupação do plenário por deputados do PL, que protestavam pela anistia a Bolsonaro. Na ocasião, o presidente evitou uso da força, e a solução só veio após dois dias de negociação.
Adversários acusam Motta de agir com “seletividade”: “Contra um mostra coragem, contra vários foge do confronto”, disse um líder. Aliados afirmam que ele buscou evitar que as ocupações se tornassem rotina.
Em pronunciamento, o presidente da Câmara afirmou ter agido para defender o Parlamento de um “ato extremista” e proteger a democracia. No entanto, o episódio reforçou dúvidas sobre sua capacidade de conduzir votações complexas e administrar conflitos entre bancadas.