“Eu sou um militante do cinema” assim Cacá Diegues se definia. Ele não gostava do termo “profissional do cinema”.
Carlos Diegues, Cacá, morreu na madrugada da sexta-feira, 14 de fevereiro de 2025 no Rio de Janeiro, aos 84 anos. Cacá iria se submeter a uma cirurgia, mas, segundo a Clínica São Vicente, teve “complicações cardiocirculatórias” durante a madrugada.
Cacá nasceu em Maceió. Aos 6 anos de idade, sua família mudou-se para o Rio de Janeiro e instalou-se em Botafogo, bairro onde Diegues passou toda sua infância e adolescência.
Cacá Diegues foi um dos fundadores do Cinema Novo ao lado de Glauber Rocha, Leon Hirszman, Paulo Cesar Saraceni, Joaquim Pedro de Andrade e outros cineastas.
Ao longo da carreira de cineasta, Diegues fez mais de 20 filmes de longa-metragem. Entre os mais premiados estão “Xica da Silva” (1976), “Bye bye Brasil” (1980), “Veja esta canção” (1994), “Tieta do Agreste” (1995) e “Deus é brasileiro” (2003).
Cacá Diegues foi eleito como ocupante da cadeira 7 da Academia Brasileira de Letras (ABL) em 2018. Ele herdou o lugar deixado pelo também cineasta Nelson Pereira dos Santos.
Cacá Diegues iniciou sua carreira no cinema nos anos 1960, sendo um dos principais nomes do Cinema Novo, movimento que buscava transformar a realidade brasileira por meio da linguagem cinematográfica.
Em 1962, Diegues dirigiu seu primeiro filme profissional, em 35mm, Escola de Samba Alegria de Viver, episódio do longa-metragem Cinco Vezes Favela (os demais episódios são dirigidos por Joaquim Pedro de Andrade, Leon Hirszman, Marcos Farias e Miguel Borges).
Em 1967, dirigiu seu primeiro longa, Ganga Zumba, sobre a resistência negra no Brasil colonial. Seu estilo inovador e compromisso com questões sociais ajudaram a consolidá-lo como um dos cineastas mais importantes do país.
Existem muitos aspectos que podem ser abordados sobre a carreira e a obra de Carlos Diegues, um diretor que dedicou sua vida a contar histórias profundamente brasileiras. Um artista que respeitava suas transformações como artista e seu olhar para as transformações do mundo e da arte.
Eu, como cineasta brasileiro, assim como Cacá, vou me concentrar em considerações sobre o realizador do ofício cinematográfico.
Cacá vivenciou e participou de um recorte de tempo de grandes transformações no cinema nacional e na conjuntura política do país e do mundo. Uma característica que se destaca no diretor é a constante tentativa em questionar e propor mudanças no perfil de cinema que fazia. Como um dos fundadores do Cinema Novo, ficou conhecido seu papel transgressor como artista. Mas é interessante analisar os diferentes momentos da vida de Cacá, porque, como ele mesmo dizia, não tinha compromisso com a coerência, se sentia livre para respeitar suas transformações como ser humano e cineasta que analisa e respeita o tempo que vive. Segundo ele “a coerência é falta de imaginacão”.
Ele falava que não queria deixar lições e recados para o futuro, mas queria contar profundamente a realidade do seu tempo, acreditava na força da arte como ferramenta para transformações sociais. Ele falava da “força moral da poesia”.
É muito interessante observar como o diretor fazia as autocríticas do seu trabalho. Em uma entrevista ao Roda Viva, em 1987, ele conta que em todos os projetos que trabalhou, tinha mudanças e coisas que queria fazer de outra forma. Falava muito sobre o respeito por sua intuição, como executava sua arte levando em consideração aspectos muito profundos da sua existência. Falava da liberdade que sentia em aplicar elementos seus nos filmes, como seus sonhos.
Cacá considerava utópica a busca pelo socialismo, mas acreditava e via a possibilidade de um mundo novo e diferente. Era possível sentir em suas falas essa vontade e disponibilidade em trabalhar para construir um mundo diferente. Talvez Cacá, assim como muitos, tenha visto no stalinismo o direcionamento do processo e naturalmente a frustração com o que vinha acontecendo. Mas ele não se deixava desanimar e seguia mostrando os reflexos do contexto político dentro da sociedade.
Como artista é inspirador ver como o diretor sempre buscava questionar aspectos estruturais na realização cinematográfica. Não se contentava em aceitar e reproduzir o cinema que começava a se padronizar. Como ele mesmo falava, a globalização estava deixando os aspectos culturais da sociedade muito semelhantes entre as grandes cidades e Cacá valorizava as diferenças, as questões próprias de cada lugar, brigou por contar e usar a nossa história da arte para seus filmes. Era um apaixonado pelo cinema, dizia que gostava de tudo no cinema, de todas as áreas e todos os departamentos, mas respeitava a realização em equipe. Acredito que para todos os cineastas, Cacá deveria ser uma referência, um lugar de estudo, porque artistas como ele, que defendiam sua cultura, são os que ficam marcados na história, os que fazem diferença no seu tempo.
Cacá se destacou nas reflexões sobre a cultura popular e na abordagem dos temas sociais, mas é impressionante como conseguia transitar entre temas, falar sobre os problemas sociais, mas também ter muita sensibilidade em falar sobre o amor, sobre as delicadezas da existência como por exemplo no filme “A Grande Cidade” de 1966 ou em “Um Trem para as Estrelas” de 1987. Neste filme é interessante analisar um aspecto que Cacá também comenta na sua entrevista ao Roda Viva do mesmo ano. A crise da Embrafilme era evidente e muitos diretores buscavam maneiras de viabilizar seus filmes. Neste caso, Cacá aceita o merchandising da Coca-Cola e comenta que aceitou por conta da dificuldade que sabia que ia enfrentar para captar os recursos através da Embrafilme. Na cena, Cazuza recebe o protagonista Vinicius, saxofonista, interpretado pelo ator Guilherme Fontes, e durante um ensaio com a banda, bebe um gole de Coca-Cola.
Cacá foi amplamente criticado de diferentes maneiras e em diferentes momentos pelas abordagens temáticas dos seus filmes. Por exemplo, como um diretor branco, que conta a história de Ganga Zumba de 1963, ou em Xica da Silva de 1976. Cacá em uma entrevista fala sobre as “Patrulhas Ideológicas”, termo que, apesar de ter comentado de forma despretensiosa, o acompanhou por muitos anos. Se sentia perseguido por críticos da época que consideravam rasa, sua abordagem para temas importantes.
Fato é que Cacá, que foi diretor, roteirista e produtor, participou de 34 filmes, ganhou inúmeros prêmios, é uma referência para sua e próximas gerações. É muito interessante sua filmografia, tem personagens bem elaborados, construções narrativas ricas e provocações de todo tipo. Como ele mesmo dizia que não tinha compromisso com a coerência, podemos analisar vários Cacás, cada momento de sua vida, cada trabalho e análise, mas em cada projeto podemos nos aprofundar e entender como um artista visceral, transgressor de seu tempo e questionador trabalha.
Cacá é o amor pelo cinema, é um grito de liberdade cinematográfica e artística. Como ele mesmo disse, teria mudado e refeito muitas coisas nos seus filmes, mas os filmes foram um retrato daquele momento que foi filmado, essa é a beleza do cinema. O retrato do momento. E como retratista de muitos momentos, Cacá vai ser uma referência incontestável.