Neste sábado (10), ocorreu, em São Paulo, o ato nacional em comemoração aos 80 anos do Dia da Vitória. Convocado pela Frente Antifascista – Capítulo Brasil, a manifestação contou com a participação de dezenas de organizações populares e operárias. Dentre elas, o Partido da Causa Operária (PCO), representado por Rui Costa Pimenta, presidente nacional do Partido trotskista.
Publicamos, abaixo, a transcrição da intervenção de Pimenta na íntegra:
“Queria começar destacando a importância do que aconteceu na década de 1940 do século passado com a invasão imperialista, sob a bandeira do fascismo, da União Soviética. Queria destacar para vocês que esse foi o maior ataque do capital contra os trabalhadores de toda a história do capitalismo. Foi uma ofensiva maior do que a guerra civil que se seguiu à Revolução Russa de 1917, quando 14 exércitos estrangeiros invadiram a nascente União Soviética. Foi também, com toda a certeza, a maior carnificina de toda a história do mundo.
Aqui, o companheiro Breno Altman falou que morreram 25 milhões de pessoas, que é o índice que normalmente é apresentado. Mas eu já ouvi falar que esse número poderia ter chegado a 50 milhões de pessoas. Então, vocês imaginem uma guerra que sacrifica, num único país, de 25 a 50 milhões de pessoas — um quarto da população brasileira — uma coisa sem precedentes, uma monstruosidade que, logicamente, só podia ser promovida pelas forças do imperialismo. E a derrota da ofensiva alemã, da ofensiva do nazismo pelas forças da União Soviética, pelas forças armadas soviéticas, pelo povo soviético que se empenhou de uma maneira extraordinária nessa luta — e também daqueles que se mobilizaram nos demais países ocupados pelo fascismo na Europa Oriental — temos que lembrar que, em meio a essa ofensiva, explode a revolução iugoslava, que é uma representação dos movimentos guerrilheiros que atuaram em toda a Europa. Quer dizer, a ofensiva contrarrevolucionária foi derrotada pela classe trabalhadora e foi derrotada pela revolução.
Queria endossar aqui a versão que foi apresentada por alguns companheiros de que a participação do imperialismo dito democrático nessa luta foi absolutamente insignificante. Os EUA, que hoje querem se arrogar a vitória sobre o nazismo, não entraram na Europa antes que a União Soviética tivesse derrotado as tropas de Hitler em Stalingrado. Eles seguraram qualquer tipo de invasão porque, na realidade, faziam um jogo duplo. Vendiam armas para a União Soviética, mas também achavam que uma eventual vitória que derrubasse a União Soviética seria um grande ganho. Então, é falsa a ideia de que foram as democracias ocidentais — ou seja, as democracias imperialistas — que derrotaram o fascismo. Foi a classe trabalhadora mundial que derrotou o fascismo. E o fascismo alemão, embora estivesse em guerra com a Inglaterra e com os EUA, era, na verdade, a vanguarda do imperialismo contra a classe operária mundial.
Então, o significado dessa vitória é muito grande. Porque, se bem que o imperialismo não tenha sido definitivamente derrotado, a derrota do imperialismo na União Soviética serviu como freio e serviu como uma demonstração dos limites que o imperialismo tinha para subjugar os povos e esmagar a classe operária mundial. É uma das vitórias mais espetaculares da classe operária em toda a história da humanidade. Por isso estamos aqui hoje comemorando essa vitória que só tem paralelo nas grandes revoluções que aconteceram no mundo, como a Revolução Soviética, que foi o que permitiu a derrota do fascismo. Se não tivesse havido a Revolução de 1917, não sabemos como seria a dominação imperialista sobre o mundo nos dias de hoje.
É importante lembrar que estamos, também, comemorando 50 anos da vitória do povo do Vietnã sobre o imperialismo norte-americano. Que é uma vitória que tem um paralelo muito claro com essa outra vitória. E aqui, no caso vietnamita, já tivemos a demonstração de que a luta contra o fascismo é uma luta contra o imperialismo. Depois da Segunda Guerra Mundial, a luta dos povos foi, toda ela, contra o chamado imperialismo democrático. Tivemos que sofrer o flagelo dos golpes de Estado em países como o Brasil, impulsionados pelas democracias, e tivemos que derrotar esses golpes de Estado, que foram derrotados pela mobilização popular, para chegar onde estamos hoje. E nesse caminho, a vitória do Vietnã foi um episódio fundamental.
Queria, companheiros, relacionar os acontecimentos de 80 anos atrás com o que estamos vivendo hoje. Queria dizer que temos uma situação que guarda um paralelo muito grande com o que acontecia 80 anos atrás. O fascismo europeu, que foi uma modificação no regime político dos mais importantes países imperialistas da Europa, teve origem numa crise que foi quase fatal para o imperialismo: a crise econômica de 1929. Hitler toma o poder na Alemanha em 1933, quatro anos depois da crise de 29. O imperialismo, naquele momento, se encontrava em uma situação extremamente delicada, extremamente frágil. E o que vemos hoje, no mundo, é que o imperialismo novamente, depois de percorrido todo um ciclo político e econômico, se encontra em uma situação análoga. Desde 2008, os regimes políticos dos países ditos democráticos estão em retrocesso. Por um lado, o crescimento da extrema direita. Por outro lado, o imperialismo dito democrático socavando o regime democrático. Quer dizer, as democracias liquidando-se a si mesmas.
Essa situação, do ponto de vista político, acabou se materializando na derrota norte-americana no Iraque, que foi uma guerra extremamente destrutiva. Depois, na derrota norte-americana no Afeganistão, que foi uma derrota humilhante para o imperialismo. Eles não conseguiram dominar o povo do Afeganistão — que é um dos países mais pobres do planeta Terra — e foram derrotados por uma organização que é quase medieval, que é o Talibã. O que mostra o tamanho da crise que o imperialismo está sofrendo.
Depois, tivemos a crise ucraniana e, finalmente, tivemos o 7 de outubro na Palestina, um levante armado contra o sionismo da resistência palestina organizada e liderada pelo Hamas. O imperialismo chegou num ponto de crise muito agudo. Acho que isso guarda um paralelismo muito claro com o que estava acontecendo um pouco antes da guerra mundial. O imperialismo não dá conta da situação que foi criada pela crise do capitalismo: o conflito com a Rússia, o conflito com a China e, também, temos que destacar, o conflito com países menores mas que, até o momento, não conseguiram derrotar, como é o caso dos companheiros da Venezuela. Os venezuelanos foram assediados e atacados pelo imperialismo de todas as maneiras possíveis e imagináveis, e não abaixaram a cabeça.
A fraqueza do imperialismo é muito evidente, e consideramos isso como um sinal da maior importância para a luta dos povos. Mas a fraqueza de uma força como o imperialismo não significa que o imperialismo vai se retirar do campo de batalha voluntariamente. Pelo contrário, o que vai acontecer — e, num certo sentido, já está acontecendo — é que o imperialismo vai recrudescer sua ofensiva e vai procurar arrastar o mundo para uma Terceira Guerra Mundial.
Tivemos ameaças de todos os lados: ameaças contra a Rússia, ameaças contra a China. Não falo da guerra comercial porque isso é um episódio menor, pois sabemos que o complexo industrial-militar do imperialismo norte-americano e os europeus programaram uma guerra de fato contra a China. A Rússia nem preciso falar. O Irã é outro país que está ameaçado pela violência extrema do imperialismo. Então, estamos, nesse momento, num período que diria que antecede um conflito de grandes dimensões. Temos visto a ação do imperialismo no nosso continente, golpes de Estado em vários países. Nos últimos 15 anos, sofremos aqui uma sequência de golpes de Estado que não pararam nunca.
Conseguimos aqui no Brasil — a esquerda, unificada — garantir a vitória do PT, do companheiro Lula, para a presidência, mas isso não deteve a política golpista do imperialismo. Dá para perceber que o governo Lula está sendo cercado, e o cerco é cada vez maior. Eles, logicamente, querem uma solução bastante drástica para o Brasil, e essa solução drástica passa por tirar o PT do governo, sem dúvida nenhuma.
Então, estamos entrando em uma época de grandes conflitos. Esse é o problema-chave que temos. E, por isso, o exemplo da URSS é importantíssimo. Temos que entender que cabe à nossa geração derrotar o imperialismo.
É possível evitar uma guerra de grandes proporções? É possível. Essa guerra pode ser evitada pela revolução, pela revolução socialista. A revolução socialista está na ordem do dia? Sim e não. Porque a crise é muito profunda, mas a classe operária está saindo de um longo processo de desorganização que foi a política neoliberal, altamente destrutiva da economia de inúmeros países. Mas temos que confiar que a unidade de todas as forças que lutam contra o imperialismo vai abrir um caminho.
Nesse sentido, queria destacar a importância desse ato público que estamos realizando aqui hoje. Isso é um primeiro passo, modesto ainda, no sentido da constituição da Internacional Antifascista. Uma iniciativa muito importante que surgiu de uma conferência internacional realizada em Caracas, na Venezuela, impulsionada pelo governo venezuelano. O governo venezuelano, logicamente, tem uma preocupação com o fascismo porque o fascismo está batendo às portas. Vimos as eleições, vimos que os grupos fascistas estão organizados, estão recebendo financiamento do imperialismo, têm um respaldo internacional muito grande.
E nós entendemos — acho que todos que falaram aqui falaram a mesma coisa — que quando falamos em Internacional Antifascista, estamos falando, ao mesmo tempo, de Internacional Anti-imperialista. Porque não há como derrotar o fascismo sem derrotar o imperialismo.
O companheiro Breno Altman colocou aqui uma questão que precisamos discutir no âmbito dessa organização que estamos criando, que é o seguinte: qual o papel da esquerda? Vamos ser um puxadinho da burguesia liberal ou vamos ter uma ação independente das massas operárias, da classe média de esquerda e do campo contra o imperialismo? Queremos construir uma organização que seja uma organização independente dos agentes do imperialismo no Brasil e no mundo. Acho que esse é o sentido da nossa reunião.
Por isso, queria destacar aqui a presença dos que, até o momento, se levantaram para construir essa organização: a CEBRAPAZ, o PCdoB, o Breno Altman está participando desse ato aqui pela primeira vez, a FNL, que é nossa parceira, a APEOESP, setores do PT. Somos ainda um punhado de pessoas. Mas temos que ter a ambição de construir, no Brasil, uma frente única de luta contra o imperialismo e o fascismo.
Não queremos, companheiros, construir uma organização de uma pequena minoria de pessoas iluminadas. Temos que levar essa questão para as amplas massas populares no Brasil. Por que é importante? Não temos aqui partidos de esquerda e tudo mais? Temos, mas a maior parte desses partidos, sindicatos e organizações se encontra paralisada por uma série de problemas. Vimos, quando lutamos contra o golpe de 2016, que a mobilização da maioria das organizações foi muito pequena. Tivesse sido maior, e não estaríamos enfrentando a situação que estamos enfrentando hoje. O bolsonarismo, por exemplo — que não é nosso único problema, é um dos problemas — não teria adquirido a envergadura que adquiriu se tivéssemos tido uma mobilização realmente ampla de massas para derrotar o golpe de 2016.
Então, precisamos de uma organização que atravesse a fronteira de todos os partidos políticos, de todas as organizações populares e sindicais, e atraia os elementos de luta, aqueles que estão dispostos a se mobilizar, para mobilizar o povo brasileiro na luta anti-imperialista e anti-fascista. Temos que fazer dessa organização, a Internacional Antifascista, uma organização que seja uma frente única dos que estão dispostos, efetivamente, a lutar. E, quando eu digo lutar, me refiro quase que exclusivamente à ideia de que é preciso mobilizar o mais amplamente possível.
Temos aqui a campanha da Palestina. Todos nós que estamos aqui participamos da campanha em defesa do povo palestino. A campanha da Palestina no Brasil é muito fraca. Nessas alturas do campeonato, não sei se estamos batendo nos sionistas ou se os sionistas estão batendo na gente. Temos aqui, nessa reunião, várias pessoas que estão sendo processadas por defender a Palestina. Precisamos criar uma campanha de massas. É um trabalho que vai exigir um esforço, mas eu acredito que temos muita gente interessada e que podemos transformar a ideia da Internacional Antifascista em uma ampla frente única de inúmeros setores da esquerda.
Para isso, precisamos evitar o debate ideológico espinhoso, como aconteceu aqui, e temos que centrar fogo nas ideias-chave dessa organização, que são: a defesa dos povos e dos países latino-americanos contra o imperialismo. Precisamos fazer uma campanha contra a ofensiva econômica do imperialismo em relação à Venezuela, Cuba e Nicarágua. Precisamos fazer a mesma campanha em relação à Rússia, ao Irã e à Coreia do Norte. Temos que lutar contra o imperialismo em todos os terrenos. Temos que defender a soberania brasileira, porque o anti-imperialismo é, acima de tudo, uma luta contra o imperialismo que atua dentro da nossa casa.
Vimos aí, por exemplo, como um fato muito lamentável, que a Polícia Federal brasileira, por conta própria, adotou uma resolução de que nenhum palestino pode entrar no Brasil. Os palestinos todos são barrados na fronteira. Está aqui presente um companheiro da Tunísia que foi barrado também porque foi apoiar a Palestina. Finalmente, ele foi liberado. Mas temos que lutar contra a ingerência do imperialismo sobre as instituições políticas do Brasil.
Quando eu falo dessa ingerência, não é uma crítica ao governo do PT. Mas é uma revelação de que não adianta você eleger um presidente da República e esperar que ele faça um milagre. Acho que estamos aprendendo isso. O Lula não tem condição de fazer nenhum milagre. Sem a força do povo, sem a força da ação popular e dos trabalhadores, nós não vamos conseguir absolutamente nada. Por isso, precisamos de uma alavanca que impulsione essa luta. Que lute pela independência dos trabalhadores, que lute pelos direitos trabalhistas, que lute contra o esmagamento do país através da dívida pública, contra as privatizações.
Se o PT for derrotado na próxima eleição e a burguesia eleger o seu candidato — seja quem for — eles vão privatizar a Petrobrás, vão acabar com todos os direitos trabalhistas, vão acabar com tudo quanto é lei de defesa social dos trabalhadores. Então temos que ficar muito atentos. E não basta colocar todas as suas fichas na eleição, não basta. A eleição do companheiro Lula foi um progresso, mas estamos vendo aqui os limites disso.
Muita gente fala: “vocês aí do PCO já se arrependeram de ter votado no Lula?”. De forma nenhuma. A vitória do Lula foi importante, mas é limitada. É uma vitória limitada. A vitória do Lula não é a mesma coisa que aconteceu na Venezuela, onde o povo venezuelano esmagou o imperialismo nas ruas. Sem a força popular, não há nenhum tipo de possibilidade de derrotar a ofensiva da burguesia. Isso precisa ficar claro.
Por isso, uma organização unitária, de frente única, uma organização que se proponha a mobilizar o povo — mas não mobilizar o povo em abstrato — mobilizar os sindicatos, as direções sindicais, os movimentos populares. Temos aqui a FNL, há outros movimentos de luta pela terra. Temos que chamar esse pessoal. Quer dizer, temos que criar um movimento que não seja nem só de direções e também não procure passar por cima das direções para chegar ao povo como se o povo não tivesse organização nenhuma. Precisamos combinar as duas coisas: temos que chamar o povo, chamar as direções e criar esse movimento.
No momento, não há essa organização no Brasil, e não vejo que nenhuma das organizações existentes possa cumprir esse papel. Por isso, é preciso criar uma nova organização. E, aqui, temos uma nova oportunidade. Uma oportunidade que é muito importante, porque ela é apoiada por pessoas que têm uma situação importante na luta política nacional e internacional, como é o caso dos companheiros da Venezuela.
Então, temos que chamar os partidos, temos que chamar os sindicatos, os movimentos populares e construir essa frente. E essa frente tem que mobilizar. E temos que fazer isso através de campanhas, através de iniciativas como essa que estamos fazendo.
Considero que isso é o ato inaugural, de lançamento da Frente Antifascista. Acho que os companheiros que estão na direção da Frente Antifascista têm uma grande responsabilidade no sentido da articulação com os mais diversos setores. Isso é um começo, um primeiro passo que temos que desenvolver. Temos que desenvolver isso em cada estado do País. Estamos fazendo esses atos e vamos fazer ainda mais.
E temos que confiar que, assim como na Segunda Guerra Mundial foi a ampla mobilização dos povos — independentemente das avaliações que tenhamos sobre as qualidades das direções políticas — quem mudou o mundo foi o povo, foi a classe trabalhadora. As direções têm o papel de orientar. Mas, sem os trabalhadores, não há nenhuma possibilidade de vitória, não há nenhuma possibilidade de avanço.
E essa tem que ser a nossa principal colocação: é preciso mobilizar o povo brasileiro contra os perigos que estão ameaçando a classe trabalhadora brasileira e os perigos que estão ameaçando todos os trabalhadores do mundo, todos os povos que lutam pela sua independência.
E nós vamos trabalhar. E nós vamos ser bem-sucedidos, de uma maneira ou de outra.
Obrigado, companheiros.”