No discurso de posse, Donald Trump anunciou uma nova “era de ouro” nos Estados Unidos. Se a atendente da loja de conveniência de um lugarejo remoto no Arkansas e o empacotador do Wal-Mart vislumbrarão um horizonte cor-de-rosa ao longo dos próximos quatro anos, só o tempo dirá. No caso do próprio presidente e dos bilionários amigos, não há, no entanto, do que reclamar. A festa começou. Antigo crítico das criptomoedas, Trump tornou-se um entusiasta das cunhas virtuais, em contradição com a promessa de fortalecer o dólar. Na sexta-feira 17, três dias antes da posse, o republicano lançou um novo token, o $Trump. A corrida pela novidade ultrapassou a casa dos 20 bilhões de dólares. A primeira-dama, Melania, não ficou atrás. Na véspera da cerimônia oficial, no domingo 19, lançou a $Melania. O movimento pegou muita gente, dentro e fora da indústria, de surpresa e o mercado de ativos digitais inevitavelmente entrou em alerta. Até onde as cripto da família de fato reforçarão a credibilidade do setor ou não passarão de um tiro no pé?, perguntam-se os investidores.
Durante a campanha, os filhos Eric e Donald Junior lançaram a empresa familiar de criptomoedas, a World Liberty Financial, cujo slogan antecipa “uma revolução financeira desmantelando o domínio das instituições financeiras tradicionais”. Durante coletiva de imprensa na terça-feira 21, durante a qual anunciou investimentos em Inteligência Artificial da ordem de 500 bilhões de dólares, o republicano, a respeito de sua memecoin, afirmou não saber “muito sobre ela, além de que a lancei e de que foi muito bem-sucedida. E eu não verifiquei hoje. Como está?” Quando ouviu de repórteres que o token havia rendido 20 bilhões de dólares ou mais, desdenhou: “Vários bilhões… isso é ninharia para esses caras”, apontando para o chefe da OpenAI, Sam Altman, o chefe de tecnologia da Oracle, Larry Ellison, e o CEO da SoftBank, Masayoshi Son. A resposta foi mal recebida pelos investidores e a cotação despencou desde então.
Na noite de sexta-feira 24, os Trump possuíam, ao menos no papel, 23 bilhões de dólares em $Trump, queda de 60% em relação ao pico. Especificamente no caso da cripto, lançada por quase 6,50 dólares, os valores chegaram a bater 73 dólares no domingo 19. Uma semana depois, no domingo 26, estavam abaixo dos 27 dólares, de acordo com o CoinGecko, agregador independente de dados de criptomoedas. Já a $Melania, inicialmente negociada por cerca de 7 dólares, ultrapassou os 13 dólares no auge, mas na noite de domingo 26 estava cotada abaixo de 3 dólares, segundo o mesmo agregador. Os avisos nos sites da $Trump e $Melania alertavam que os produtos “não tinham a intenção de ser objeto de uma oportunidade de investimento ou um título”, mas ao anunciar em sua plataforma, a Truth Social, na noite de sexta-feira 17, o presidente convocou seus seguidores a apostar no empreendimento. “É hora de celebrar tudo o que defendemos: vencer!”, digitou.
A família do presidente envereda pelas criptomoedas. E os magnatas das big techs terão bilhões à disposição
Preston Byrne, advogado de empreendedores nas áreas de tecnologia, com foco específico em criptomoedas, mídias sociais e Inteligência Artificial, escreveu em seu blog que a decisão de Trump de criar a própria memecoin será vista no futuro como um divisor de águas tanto na política quanto no mundo dos ativos digitais, mas alertou que o presidente “terá de lidar com o fato de que sua sorte política estará vinculada a um ativo que o mercado, e não o homem, controla”. “Se $Trump cair, isso pode afetar sua própria influência política em Washington. Imagine os democratas fazendo apresentações com gráficos de mercado de criptomoedas vermelho-sangue em discursos no Congresso. Isso simplesmente nunca aconteceu antes. A criptomoeda vai ser um futebol político maior do que nunca.”
Nick Tomaino, investidor, usou sua conta no X (antigo Twitter) para criticar a postura do republicano, que detém ao menos 80% do suprimento da moeda, o que lhe dá poder para controlar o preço. “A mudança de vibe da era anticripto de Biden para a era Trump é ótima, mas Trump possuir 80% e cronometrar o lançamento horas antes da posse é predatório e muitos provavelmente serão prejudicados por isso.” Tomaino prosseguiu: “Trump deveria estar fazendo airdrops para os investidores, em vez de enriquecer a si mesmo ou sua equipe com isso”. E sugeriu: “Silencie as pessoas que dizem que é um sinal de topo e também silencie as pessoas que dizem que é a maior coisa de todos os tempos”. Também no X, o gestor de investimentos Michael Gayed escreveu que “a credibilidade de Trump foi totalmente destruída antes da posse por causa do $Trump e da $Melania”.
Em entrevista ao USA Today, Andy Baehr, diretor administrativo do CoinDesk, site que indexa produtos de criptomoedas, criticou a decisão do republicano. “Nossa indústria está se esforçando muito para demonstrar que é séria, que acolhe regulamentações úteis, que quer ser mais regulamentada, que quer ter conversas sérias com reguladores e legisladores para ajudar a melhorar como as finanças funcionam, como os investimentos funcionam, como a captação de capital funciona, como as negociações funcionam. E algo assim, que é tão público e tão inevitavelmente manchete de primeira página, ameaça atrasar o quão seriamente a conversa é levada.”
Afora a incursão polêmica pelo universo das criptomoedas, o meio trilhão de dólares anunciado para os investimentos em IA, sem regulamentação, é uma dádiva para os bilionários das big techs, que se tornaram entusiastas da nova administração. A promessa de levar astronautas a Marte é outra oportunidade de “ouro” para os magnatas do Vale do Silício. Nos Estados Unidos, a corrida espacial tem migrado do setor público para o privado, na qual se destacam dois personagens: Elon Musk, nomeado por Trump para desmontar o Estado norte-americano, e Jeff Bezos, neoaliado do republicano. Make the money é a regra em Washington. •
Publicado na edição n° 1348 de CartaCapital, em 12 de fevereiro de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Business as usual’