BRICS: Um Novo Paradigma na ordem internacional pós-guerra fria, por Fabiano Mielniczuk

Em uma sessão especial do Conselho Popular dos BRICS, realizada no Teatro Carlos Gomes, no Rio de Janeiro, o Professor Fabiano Pellin Mielniczuk, do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), falou sobre o papel dos BRICS na geopolítica e geoeconomia global. Mielniczuk destacou o agrupamento como o mais importante processo de reordenamento das ordens internacionais desde o fim da Guerra Fria. Segundo ele, o que está em curso é “muito novo, muito diferente e tem um potencial bastante promissor para que a gente consiga viver num mundo melhor”.

O professor destacou quatro aspectos que diferenciam os BRICS de outros agrupamentos:

1. Agrupamento suprarregional com essência global: Diferente de blocos regionais com limitações geográficas, os BRICS estão presentes em todas as regiões do globo. Essa característica incentiva a adesão e o interesse de diversos países, como mostrou a participação de quase 40 países na Cúpula de Kazan no ano passado. A essência global do BRICS, para Mielniczuk, é um elemento crucial.

2. Complementaridade econômica e tecnológica: A diferença nos níveis de desenvolvimento econômico e tecnológico entre os membros dos BRICS, frequentemente vista como uma fraqueza, é na verdade um potencial para cooperação. Mielniczuk argumenta que essa diversidade pode gerar benefícios reais para as populações dos países-membros. Ele citou o exemplo da construção de 100 estações de metrô em Moscou entre 2015 e 2025, contrastando com a lentidão de projetos de infraestrutura em outras nações. A cooperação, por meio de plataformas de investimento e mecanismos para contornar a dependência do dólar, pode impulsionar o desenvolvimento soberano.

3. Agenda normativa baseada no respeito à diferença: Os BRICS se fundamentam em uma agenda normativa que valoriza o respeito às diferenças culturais, religiosas e econômicas. Mielniczuk ressaltou que, diferente de outros processos de incorporação de novos membros que exigem uma “aculturação”, os BRICS acolhem a diversidade. “Se eu sou boliviano, se eu tenho uma tradição quéchua ou outra tradição, eu entro nos BRICS e eu sou respeitado pelo que eu sou”, exemplificou. Essa abordagem atrai países que buscam manter sua soberania e identidade.

4. Não ocidental, mas não antiocidental: O professor esclareceu que, embora o BRICS não seja um agrupamento ocidental, ele também não é antiocidental. Sua distinção está na renúncia à lógica de “dois pesos e duas medidas” que, segundo Mielniczuk, caracteriza a ordem internacional ocidental. Ele criticou a ideia de uma “ordem baseada em regras” que se aplica apenas aos “inimigos”, enquanto os “amigos” desfrutam de impunidade. Para Mielniczuk, os BRICS buscam “salvar o humanismo dos europeus” e construir regras que valham para todos, sem favorecer interesses específicos.

Alertas para o futuro

Mielniczuk concluiu sua fala com dois alertas importantes. Primeiro, é fundamental que os BRICS, nascidos da denúncia a uma ordem internacional desigual, evitem reproduzir estruturas hierárquicas internas. A criação de diferentes categorias de membros pode contradizer a própria essência do agrupamento. Segundo, a informalidade e a flexibilidade dos BRICS são cruciais para proteger os países mais fracos de pressões externas. A institucionalização excessiva pode gerar estímulos para que países se retirem do bloco, especialmente diante de sanções ou cortes de financiamento por parte de potências ocidentais. A ambiguidade e a informalidade, nesse sentido, são forças que permitem o avanço do agrupamento sem expor seus membros a vulnerabilidades desnecessárias.

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