BRICS e o Paradoxo Trump

por Maria Luiza Falcão Silva

A dois meses da COP30 em Belém, a guerra comercial de Donald Trump contra a Índia atingiu o ápice. O presidente norte-americano ameaçou elevar “substancialmente” as tarifas sobre produtos indianos — já sob taxa de 25% — em retaliação às compras de petróleo russo. “A Índia compra quantidades maciças de petróleo russo e depois revende no mercado livre com grandes lucros. Eles não se importam com as mortes na Ucrânia”, disparou Trump em sua rede social Truth Social.

A resposta de Nova Déli foi imediata. Em Pequim, onde acompanhava a agenda de Narendra Modi com Xi Jinping, o chanceler indiano Subrahmanyam Jaishankar classificou as ameaças de Trump como “um ataque injustificado” e acrescentou: “A Índia tomará todas as medidas necessárias para proteger seus interesses nacionais”.

Mas a ofensiva norte-americana, longe de enfraquecer a Índia, acabou acelerando alianças. O ponto de virada foi o encontro entre Xi Jinping e Narendra Modi em Pequim, durante as comemorações dos 80 anos da vitória contra o fascismo. Nesse palco simbólico, China e Índia deram sinais de uma trégua estratégica — gesto que muda o equilíbrio dentro do BRICS e desafia diretamente a política de sanções de Washington.

O petróleo russo: o cerne da crise

A Índia importa 1,75 milhão de barris diários de petróleo russo — 36% de seu consumo —, tornando-se o maior comprador marítimo do mundo, ao lado da China. Para o governo Modi, trata-se de uma “necessidade econômica”: o óleo cru russo chega com descontos de até 30%, mantendo a energia acessível para 1,4 bilhão de pessoas e evitando que o preço global do barril dispare para US$ 130.

Trump, porém, viu nesse dado uma brecha para pressionar Moscou. Seu prazo para que a Rússia “parasse a guerra na Ucrânia” expirou em agosto, e as tarifas contra a Índia surgiram como peça-chave da estratégia. O efeito, contudo, foi contrário: ao invés de isolar Nova Déli, reforçou sua convergência com Pequim e deu novo fôlego à integração energética e comercial dentro do BRICS.

A jogada indiana: diversificação e desafio

Enquanto refinarias estatais como a Indian Oil Corp compravam 7 milhões de barris dos EUA, Canadá e Oriente Médio por semana, o governo manteve os contratos com a Rússia. A aposta é geopolítica. “Por que a União Europeia comercializou €78 bilhões com Moscou em 2024, mas nos criticam?”, questionou o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Randhir Jaiswal.

Com 80% das exportações indianas para os EUA já sob restrições, Nova Déli redireciona têxteis e fármacos para o Sudeste Asiático e África, onde o comércio intra-BRICS cresceu 28% em 2025. Esse realinhamento, somado ao gesto de aproximação com a China, reforça o espaço para que os emergentes convertam a pressão tarifária em plataforma de integração.

Xi e Modi em Pequim: a surpresa asiática

O encontro entre Xi Jinping e Narendra Modi, à margem da “majestosa” celebração da vitória antifascista 80 anos atrás, na China, foi um divisor de águas. Os dois líderes vinham de anos de tensões fronteiriças no Himalaia e de disputas tecnológicas no Indo-Pacífico. Ainda assim, diante da escalada tarifária de Trump, prevaleceu a lógica de que a cooperação estratégica é vital.

Ao lado de Putin, que também participou das cerimônias, a fotografia de Xi e Modi simboliza algo maior: o BRICS se consolida como espaço onde divergências bilaterais podem ser contornadas diante de ameaças externas.

COP30: o contra-ataque do BRICS

Essa nova convergência encontrará seu palco em novembro em Belém. A Declaração do Rio, aprovada em julho, exige US$ 1,3 trilhão anuais até 2035 das nações ricas para financiar ações climáticas no Sul Global. O fundo estrela é o TFFF (Fundo para Florestas Tropicais), liderado pelo Brasil, com meta de US$ 125 bilhões. O TFFF visa a preservação de florestas tropicais em países como os da Amazônia, com a ideia de remunerar os países que mantiverem suas áreas de floresta conservadas. O mecanismo financeiro inova ao incentivar a conservação, não apenas a redução de desmatamento, e já conta com apoio de países amazônicos e de organizações internacionais.

Sua inovação crucial é permitir que até 20% dos pagamentos a países que preservem biomas sejam feitos em moedas locais, reduzindo a dependência do dólar. Após a reunião de Xi e Modi, a Índia sinalizou adesão firme ao mecanismo de monitoramento via satélite desenvolvido pelo Brasil, ampliando a legitimidade do TFFF.

A localização da COP30 em Belém não é acidental. O Brasil usará a Amazônia como trincheira para dois combates:

  1. Expor a hipocrisia do Norte: “Enquanto nos taxam por exportar café, sonegam US$ 300 bilhões/ano em financiamento climático”, critica técnico do Ministério do Meio Ambiente.
  2. Testar um novo modelo global: o mecanismo de pagamento por preservação via satélite pode substituir os frágeis mercados de carbono atuais, e se tornar padrão mundial a partir da Amazônia.

Geopolítica em ebulição: o paradoxo Trump

As tarifas de Trump consolidaram o que ele mais temia. O comércio entre os países do BRICS saltou mais de 30% em 2025. A aproximação entre Índia e China reduziu vulnerabilidades no bloco. A Rússia manteve seus canais de energia. E o Brasil projetou a Amazônia como eixo de um novo pacto climático e financeiro.

A Europa, dividida entre negociar com Washington e abrir-se a Pequim, ficou em posição defensiva. Já os emergentes ganharam protagonismo. Como resumiu um diplomata indiano em Pequim,  “Trump nos deu o que a diplomacia não conseguiu: um inimigo comum e 90 dias para reinventar o jogo.”

Maria Luiza Falcão Silva é economista (UFBa), MSc pela Universidade de Wisconsin – Madison; PhD pela Universidade de Heriot-Watt, Escócia. É pesquisadora nas áreas de economia internacional, economia monetária e financeira e desenvolvimento. É membro da ABED. Integra o Grupo Brasil-China de Economia das Mudanças do Clima (GBCMC) do Neasia/UnB. É autora de Modern Exchange-Rate Regimes, Stabilisation Programmes and Co-ordination of Macroeconomic Policies: Recent experiences of selected developing Latin American economies, Ashgate, England/USA. 

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Last Update: 05/09/2025