Especialistas de países-membros do Brics defenderam nesta quinta-feira, 3, que o bloco intensifique a cooperação internacional para acelerar o desenvolvimento de inteligência artificial (IA) e a transição para fontes de energia sustentáveis.
A avaliação foi feita durante o seminário “Diálogo Brasil-China sobre os Brics e Cooperação Global em Finanças, IA e Transição Verde”, promovido pelo Brics Policy Center da PUC-Rio em parceria com o Beijing Club for International Dialogue.
A China, que lidera a corrida tecnológica entre os países do bloco, tem se destacado com o lançamento de plataformas como o DeepSeek, modelo de IA que superou o ChatGPT em número de acessos, segundo dados apresentados. O país estabeleceu como meta atingir a liderança global no setor até 2030.
“Os Países do Sul globais precisam criar cooperação, com fundos e recursos para que desenvolvam parcerias. Outro ponto é a transferência de tecnologia para os países do Sul. Como essas ferramentas podem ser usadas de forma mais abrangente é a pergunta que precisamos fazer. Precisamos trocar ideias”, afirmou Xiao Youdan, da Academia Chinesa de Ciências.
O professor chamou atenção para a concentração da tecnologia nas mãos de países desenvolvidos. “Quando usamos aplicativos, inserimos nossos dados e os nossos dados estão no sistema deles e são usados para o desenvolvimento econômico deles”, disse.
Zhao Hai, diretor do Programa de Política Internacional do Instituto Nacional de Estratégia Global da Academia Chinesa de Ciências Sociais, alertou que o domínio tecnológico do Norte global acentua a dependência dos países em desenvolvimento.
“Os países desenvolvidos detêm as ferramentas e essa dominação vai retirando a possibilidade daqueles que chegam depois de avançar. Se os países do Brics não se unirem, nós vamos sofrer consequências dessa lacuna que só faz aumentar. Precisamos andar rápido na cooperação”, disse.
A pesquisadora sul-africana Thelela Ngcetane-Vika, da South Valley University, destacou os efeitos da exclusão digital no continente africano. Para ela, a desigualdade de acesso à tecnologia é um dos principais obstáculos ao desenvolvimento da IA.
“Um dos desafios na África são as questões de exclusão digital. Então, você pode falar sobre IA, mas no contexto de falta de recursos e de infraestrutura, você tem questões de exclusão digital. E isso, por si só, refere-se a questões de desigualdade”, disse.
Segundo ela, a disparidade tecnológica interna dificulta o avanço conjunto dos países africanos. “A ausência de igualdade de condições é um problema. Porque se minha avó, em uma aldeia em algum lugar da África do Sul, não teve acesso a nenhuma forma de tecnologia, apenas ao telefone, isso é um problema”, afirmou.
Transição energética e desigualdades internas
O seminário também abordou o papel do Brics na transição energética global. Dados apresentados mostram que os países do bloco são responsáveis por 74% do consumo global de carvão e 70% da produção do insumo. Além disso, concentram 37% da produção e 36% do consumo de gás natural e 37% do consumo de petróleo, com 42% da produção mundial do produto.
De acordo com a professora da PUC-Rio Maria Elena Rodriguez, embora o Brics tenha peso significativo no cenário energético, os países partem de pontos muito distintos. “Os países do Brics são um grupo bem heterogêneo. A gente encontra gigantescos produtores de fósseis e países com alta participação de renováveis”, afirmou.
Entre os exemplos citados por Rodriguez estão a China, cuja matriz energética é composta por 61% de carvão; a Arábia Saudita, com 64,2% de petróleo; e a Rússia, com 52,3% de gás natural. Já em fontes renováveis, destacam-se o Brasil, com 31,7% de energia de biomassa, e a Etiópia, com 87,2% provenientes de biocombustíveis e resíduos.
Para a professora, é necessário adotar uma abordagem que considere os contextos históricos, econômicos e geopolíticos de cada país. “Eu acho que isso é importante para chegar a acordos de definição, para pensar o que é uma transição socialmente justa, pensar nos trabalhadores, nas comunidades, nos territórios, nos direitos territoriais etc.”, afirmou.
Ela também defendeu que o bloco estabeleça ações conjuntas para além do financiamento. “Isso que eu acho importante. E não só de financiamento, mas também da tecnologia, de transmissão de conhecimento. Se não, a gente continua reproduzindo, dentro dos Brics, os mesmos desequilíbrios que a gente tem a nível global”, disse.
Tang Xiaoyang, chefe do Departamento de Relações Internacionais da Universidade de Tsinghua, afirmou que a China está disposta a cooperar com países do Sul e do Norte globais. “Na verdade, não apenas o hemisfério Sul, mas com as economias avançadas como Europa e Estados Unidos. A China também gostaria que eles crescessem juntos, porque só assim todos os países se beneficiariam uns dos outros por meio do comércio e do investimento. Caso contrário, se apenas a China crescesse, ela também perderia força depois de um tempo”, declarou.
Segundo Tang, a estratégia de desenvolvimento chinesa prioriza parcerias comerciais. “O investimento e o comércio chinês com todos os outros países estrangeiros são incentivados pelo governo chinês. O governo chinês entende que não se trata de ajuda, mas sim de cooperação econômica como um negócio. Essa é a própria experiência de desenvolvimento da China”, concluiu.
Expansão do Brics e cúpula no Brasil
O Brics atualmente reúne 11 países-membros permanentes: Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul, Irã, Arábia Saudita, Egito, Etiópia, Emirados Árabes Unidos e Indonésia. Também participam do bloco como parceiros a Bielorrússia, Bolívia, Cazaquistão, Tailândia, Cuba, Uganda, Malásia, Nigéria, Vietnã e Uzbequistão.
Sob a presidência do Brasil, a 17ª Cúpula do Brics está marcada para os dias 6 e 7 de julho, no Rio de Janeiro. O evento terá como pauta central a cooperação multilateral em tecnologia, finanças e sustentabilidade.
Com informações da Agência Brasil