Brasil volta a ser um país de classe média. E a mídia segue fazendo o jogo do silenciamento

por Eliara Santana

A manchete tão bonita que brinda esta manhã de domingo está na capa do jornal O Globo. Ela é resultado de um estudo da Tendências Consultoria que mostra que “o ano de 2024 marcou uma mudança na distribuição das famílias por estrato social(…)” e que “50,1% dos domicílios brasileiros estão nas classes C para cima, o que significa renda mensal domiciliar de R$ 3,4 mil”. Segundo a reportagem de O Globo, “é a primeira vez que isso acontece desde 2015, quando 51% estavam ao menos na classe média”. Prossegue a matéria: “A melhora no emprego é o principal fator responsável pela ascensão social dos brasileiros, diz a consultoria”. “A valorização real do salário mínimo em 2023 e 2024, após anos sem reajuste acima da inflação” também é um fator de destaque mostrado pelo estudo e apontado na reportagem.

Sobre esse resultado tão expressivo quanto animador, quero tecer três reflexões.

1 – O golpe e a interrupção de uma trajetória de sucesso crescimento

Os dados mostram uma recuperação importante desde 2015, ano em que a maioria dos domicílios era da classe média. 2015 é também o ano em que Aécio Neves abriu a caixa de Pandora da insensatez ao deflagrar criminosamente o impeachment de Dilma, com uma articulação impressionante na parceria com a Lava Jato para criminalizar o pré-sal e a Petrobras, tendo a anuência dos EUA e o apoio covarde das elites brasileiras. Essas ações combinadas impuseram a interrupção de uma trajetória brilhante para o Brasil. Já naquele momento, em 2014, o país vivia tempos de um crescimento que se refletia na melhoria de vida das pessoas – tanto é que originou a máxima excludente “aeroporto virou rodoviária”. Era um país rumo à felicidade, e essa trajetória foi brutalmente interrompida pelo golpe contra Dilma, que colocou o vampiro Temer no poder e abriu caminho para o golpista Bolsonaro. O resto já conhecemos bem.

2 – Não há crescimento sem política econômica de governo

A reportagem de O Globo cita os números do estudo, destaca o papel do emprego e do aumento de renda, mostra famílias melhorando de vida. Mas “esquece”, vejam só, um detalhe: um país só cresce com investimento para a população, e quem faz esse investimento é uma política econômica pensada para esse fim por um governo comprometido minimamente com a população. Dizer que “a melhora no emprego é o principal fator responsável pela ascensão social dos brasileiros” é apenas uma parte da informação. Porque leva a crer que emprego brota assim, do nada, naturalmente. A mudança, a melhoria de vida, o aumento dos postos de trabalho, nada disso é fruto do acaso ou fruto de processos históricos “naturais”, que iriam corroer de qualquer maneira. Isso é fruto de trabalho, isso é fruto do compromisso do governo Lula 3.0, da política econômica do ministro Haddad, do trabalho árduo da ministra Esther Dweck. Não é acaso. É política econômica e de governo pensada e articulada a partir das necessidades da população em seu conjunto, e não voltada para garantir o mercado financeiro e as elites, como fizeram Temer, Bolsonaro e Paulo Guedes. Mas a imprensa segue na dualidade de ter de mostrar e na desonestidade em estruturar estratégias de silenciamento para ocultar DELIBERADAMENTE o sucesso da política econômica do Governo Lula 3.0.

3 – Para que a pessoas tenham a percepção da mudança, é preciso que a mudança seja explicada, mostrada, desenhada

Os números são somente números. Não criam percepções e sensações. E mesmo que estejamos vendo na prática as melhorias – rodoviárias e aeroportos lotados, centros de compra lotados, comércio batendo recorde no Natal, hotéis superlotados – para que a percepção de mudança se consolide no discurso cotidiano é preciso que ela seja construída. É preciso que os números sejam traduzidos para a vida prática das pessoas. É preciso que a ideia de que A VIDA MELHOROU seja comunicada, construída, consolidada na percepção dos brasileiros. Isso é papel de uma estratégia de comunicação.

Por fim, para que as coisas façam sentido de verdade, é necessário tecer os fios da história, dos acontecimentos recentes e alinhavar tudo para estabelecer a compreensão de que tínhamos uma trajetória ascendente, ela foi interrompida por um golpe covarde e conseguimos retomar os rumos com a derrota da extrema direita bolsonarista. Mas a imprensa não vai mostrar isso.

Eliara Santana é jornalista, doutora em Linguística e Língua Portuguesa, com foco em Análise do Discurso. Ela é pesquisadora do Observatório das Eleições e integra o Núcleo de Estudos Avançados de Linguagens, da Universidade Federal do Rio Grande. Coordena o programa Desinformação & Política. Também Desenvolve pesquisa sobre desinformação, desinfodemia e letramento midiático no Brasil.

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Last Update: 05/01/2025