O governo brasileiro suspendeu a cooperação jurídica com o Peru em todos os processos relacionados à Operação Lava Jato que envolvem a Odebrecht, atual Novonor.

A medida foi adotada pela Secretaria Nacional de Justiça, órgão subordinado ao Ministério da Justiça, após constatações de uso indevido de provas por parte das autoridades peruanas. A informação foi revelada nesta sexta-feira, 17, pelo jornal O Globo.

A suspensão se baseia em reiteradas infrações por parte do sistema judicial peruano aos termos de confidencialidade e às limitações estabelecidas para o uso de elementos probatórios compartilhados pelo Brasil. Os documentos que embasaram a decisão indicam que as autoridades brasileiras aguardaram quase um ano por esclarecimentos formais do Peru, sem retorno considerado satisfatório.

Segundo o Ministério da Justiça, a medida se restringe aos casos envolvendo a Novonor. Os demais processos de cooperação jurídica entre os dois países permanecem inalterados. A suspensão acompanha uma orientação já adotada pela Procuradoria-Geral da República (PGR), que desde abril interrompeu atos de cooperação com o Peru em casos relacionados ao acordo de leniência firmado com a Odebrecht.

Em nota, a PGR afirmou que “há razões de utilização indevida de elementos de provas fornecidas por colaboradores da justiça brasileira contra eles na jurisdição peruana, descumprindo a cláusula do tratado de cooperação”.

As irregularidades envolvem, principalmente, o uso de informações obtidas por meio de delações premiadas em processos judiciais e arbitragens no Peru, em desrespeito às condições expressas nos acordos assinados entre os países.

Um dos episódios que motivaram a decisão foi a arbitragem internacional movida pela Novonor contra o Estado peruano em Londres, no caso do Gasoduto Sul Peruano. Promotores peruanos utilizaram provas extraídas das colaborações firmadas no Brasil, contrariando cláusulas que vedam o uso dessas informações em procedimentos não autorizados. Além disso, houve tentativa de expropriação de ativos da empresa com base em dados considerados confidenciais.

O advogado Carlos Kauffmann, que representa Jorge Barata, ex-diretor da Odebrecht no Peru, declarou: “Desde 2018, pedimos constantemente a suspensão desses acordos.

Os abusos levaram a essa suspensão. Chegaram a subverter o que Barata disse. Ele disse que não houve corrupção no caso do gasoduto (Sur Peruano), mas as autoridades confundiram ajuda eleitoral com corrupção”.

Documentos internos da Secretaria Nacional de Justiça registram que, em março de 2025, a procuradora Anamaria Osório Silva reforçou o posicionamento da PGR, afirmando que “até aos dados apresentados as autoridades peruanas não encaminharam os esclarecimentos já reiteradamente solicitados”.

Outro fator que influenciou a decisão do governo brasileiro foi a determinação do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, que em setembro de 2023 declarou nulas as provas derivadas do acordo de leniência da Odebrecht. A decisão atingiu diretamente os sistemas Drousys e My Web Day B, que armazenavam dados utilizados em diversas investigações.

Na ocasião, Toffoli afirmou que os dados “foram usados de forma política e ilegítima”, e classificou a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2018 como “uma armação fruto de um projeto de poder de determinados agentes públicos em seu objetivo de conquista do Estado por meios aparentemente legais”.

O Peru é o país estrangeiro com o maior número de autoridades investigadas ou processadas no âmbito da Lava Jato. Estão presos os ex-presidentes Alejandro Toledo, Ollanta Humala e Pedro Pablo Kuczynski, todos acusados de terem recebido propina ou financiamento irregular da Odebrecht.

Em 2019, o ex-presidente Alan García cometeu suicídio após ser informado que seria preso preventivamente. A ex-primeira-dama Nadine Heredia, esposa de Humala, foi condenada a 15 anos de prisão, mas obteve asilo político no Brasil e aguarda análise do pedido de refúgio pelo ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski.

A Odebrecht firmou acordo de leniência com o Ministério Público do Peru em 2019, comprometendo-se a colaborar com investigações locais. No entanto, segundo a empresa, cláusulas foram violadas com o compartilhamento indevido de provas com tribunais arbitrais e o uso de informações em procedimentos distintos dos previstos. Já o Ministério Público peruano argumenta que as declarações prestadas na arbitragem obedecem à legislação nacional e às normas internacionais de cooperação.

O Ministério da Justiça determinou que o Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional acompanhe os desdobramentos do caso e identifique novas violações por parte das autoridades peruanas. A suspensão da cooperação jurídica deverá permanecer em vigor enquanto não houver revisão dos procedimentos adotados pelo Peru nos processos envolvendo a Novonor.

Segundo fontes da Secretaria Nacional de Justiça, o Brasil pretende manter o diálogo com autoridades peruanas, mas exige o cumprimento integral dos compromissos assumidos nos tratados internacionais de cooperação jurídica. Ainda não há prazo definido para a eventual retomada das trocas de informações no âmbito da Lava Jato entre os dois países.

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Last Update: 16/05/2025