A reunião do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), realizada nesta segunda-feira (5), no Palácio do Planalto, marcou um momento histórico: a saída oficial do Brasil do mapa da fome. O anúncio, baseado em relatório da FAO, foi celebrado por autoridades e representantes da sociedade civil como uma conquista coletiva. O evento contou com discursos do secretário geral do Consea, ministro Márcio Macedo, do discurso da presidenta do Consea Elizabetta Recine, do ex-presidente do Consea Francisco Menezes, e do ministro do Desenvolvimento Social, Família e Combate a Fome, Wellington Dias.

Durante discurso no Consea, o presidente Lula relembrou vivências pessoais com a fome, denunciou o descaso histórico do poder público e pediu união entre governo e sociedade para erradicar a miséria no Brasil.

“A fome tem que virar problema político”

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez um discurso carregado de emoção e contundência política ao tratar da fome e da desigualdade no Brasil. Diante de ministros, conselheiros e representantes da FAO, Lula reforçou a urgência de transformar a indignação com a fome em ação concreta, chamando a responsabilidade para o Estado e convocando a sociedade a se mobilizar.

“Se não conseguimos transformar os problemas sérios em problemas políticos, não envolvemos as pessoas”, declarou. “Fome, para muitos, é só uma estatística sociológica. Quem nunca passou por isso, não sente. Por isso, temos que politizar esse debate”, enfatizou o presidente.

“Cuidar dos pobres é pensar com o coração”

Ao longo de sua fala, Lula relembrou episódios da própria infância e juventude marcados pela pobreza extrema. Relatou momentos em que não tinha o que comer, quando dividia uma cozinha com outras 13 pessoas, e contou como via com desejo o lanche dos colegas na fábrica onde trabalhou.

“Fome não dói. Fome te consome por dentro. E o pior é que as pessoas têm vergonha de dizer que estão com fome”, desabafou. “Eu só comi pão pela primeira vez aos sete anos. A gente não tinha onde comprar, nem dinheiro pra isso”, disse, embargando a voz.

Para o presidente, combater a fome exige mais do que verba — exige sentimento. “Não é cuidar da cabeça, é cuidar do coração. É preciso ter sentido isso, ter vivido ou conhecido alguém que passou por isso.”

O papel do Estado e a responsabilidade histórica

Lula criticou duramente a cultura política dominante, que historicamente coloca o pagamento de juros acima do combate à fome. “O primeiro compromisso deste país sempre foi economizar para pagar os juros. A fome nunca foi prioridade”, afirmou. “Se alguém passa fome num país, o presidente tinha que ser decapitado. Isso não é admissível”, disse ele, causando risos

O presidente também condenou os gastos globais com armamentos. “O mundo gastou 2,7 trilhões de dólares com armas no ano passado. Isso acabaria com a fome de 760 milhões de pessoas.”

Segundo ele, o problema da fome não se resolve com caridade ou sobras: “Já ouvimos que tem comida sobrando nas fazendas, nas feiras. Mas isso não basta. Sem política pública, a fome volta.”

Um chamado à mobilização nacional

Lula destacou que os avanços sociais conquistados pelo país são frutos da união entre governo e movimentos sociais. “Se não fosse cada vereador, cada sindicalista, cada agente comunitário, não teríamos feito nem 10% do que fizemos”, reconheceu.

O presidente defendeu que a luta contra a fome seja ampliada para os municípios e reforçada com busca ativa. “É como uma mina de ouro. Quando você começa a cavar, encontra mais. Agora precisamos cavar com os prefeitos, com as lideranças, com todo mundo. Precisamos encontrar quem ainda não foi encontrado.”

“É possível. E é por isso que sigo em frente”

Encerrando o discurso, Lula falou sobre esperança, paixão pelo Brasil e o desejo de continuar transformando a realidade do povo.

“Eu quero viver 120 anos, mas se eu morresse hoje, eu estaria feliz. Porque estamos dando um exemplo ao mundo: é possível combater a fome. E isso não é por causa do governo. É por causa de vocês.”

O presidente concluiu com um apelo direto àqueles que compartilham da causa: “O Brasil pode fazer muito mais. E nós também podemos. Porque cuidar dos pobres, defender os negros, é só possível se for com o coração.”

Uma conquista a ser sustentada

Elisabetta Recine, presidenta do Consea, destacou que o feito “não é de um governo, nem de uma instituição apenas, mas de todos”. Segundo ela, a mobilização envolveu desde agricultores e cozinhas comunitárias até centros de saúde e gestores públicos. “Todos nós fizemos isso. Conseguimos sair novamente do mapa da fome, e essa é uma conquista que precisa ser celebrada e, mais do que isso, sustentada”, afirmou.

A presidenta lembrou que o país já havia saído do mapa da fome em 2014, mas voltou entre 2018 e 2022. “Foram políticas públicas articuladas, com foco nas populações vulneráveis, que permitiram essa nova conquista. E isso nos mostra que, mesmo diante de retrocessos, o Brasil não desaprendeu como combater a fome”, disse.

Um Brasil que aprende com sua história

O ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, Márcio Macedo, exaltou o papel do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na condução da política de combate à fome. “Hoje é um dia de comemoração. É um feito construído a muitas mãos, com a recuperação do salário mínimo, geração de emprego, ampliação de renda e políticas sociais”, declarou.

Macedo relembrou o desmonte do Consea no governo anterior e sua reinstalação logo no início da gestão Lula, como um dos primeiros atos do novo mandato. “Encontramos o Conselho clandestino. Mas o presidente Lula, em um gesto de reconstrução democrática, o reinstalou. E hoje, o Consea está mais forte, com credibilidade e capacidade de influenciar inclusive na agenda climática da COP30”, disse.

A fome e o clima: o papel do Consea na COP30

A reunião também definiu que o Consea participará do debate climático da COP30, que ocorrerá no Brasil em 2025. Segundo Macedo, “a relação entre pobreza, fome e meio ambiente é histórica”, e o Brasil, com sua experiência, pode contribuir significativamente para o debate internacional.

Elisabetta Recine reforçou que “não há enfrentamento da crise climática sem transformação dos sistemas alimentares”. Para ela, o caminho passa pela agroecologia, pela produção local e por mercados territoriais. “Sabemos o que precisa ser feito e temos capacidade para isso”, completou.

Um sistema que funciona: integração é o segredo

O ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, Wellington Dias, afirmou que a conquista reflete uma articulação coordenada entre 24 ministérios, sob a Câmara Interministerial de Segurança Alimentar. “O Brasil venceu porque escolheu um caminho. O presidente Lula priorizou a fome como o problema número um. E o povo brasileiro o escolheu com essa missão”, declarou.

Dias lembrou que a meta inicial era retirar o país do mapa da fome até 2026. “Alcançamos em 2024. Isso é resultado de ação coletiva, de um governo democrático e de um povo organizado. Colocamos os pobres no orçamento e enfrentamos as desigualdades com políticas públicas”, disse.

“Não vamos deixar que roubem de novo essa conquista”

O ex-presidente do Consea, Francisco Menezes, celebrou a saída do país do mapa da fome como um “ato de soberania nacional” e reforçou a importância de manter e ampliar as políticas públicas para evitar retrocessos. “Essa conquista foi roubada do Brasil em um passado recente. Por isso, perseverar nas políticas públicas é fundamental”, disse.

Menezes defendeu o protagonismo do Consea também nas pautas internacionais e geopolíticas, especialmente diante do uso da fome como instrumento de guerra em conflitos ao redor do mundo. “O Conselho tem voz e precisa usá-la. Nossa experiência é exemplo para o mundo”, afirmou.

Avanços, mas ainda há desafios

Apesar do avanço, os números ainda revelam desafios. Segundo dados apresentados por Recine, 7 milhões de brasileiros ainda estão em situação de insegurança alimentar grave. Além disso, a inflação dos alimentos continua sendo um obstáculo importante, especialmente para garantir o acesso à alimentação saudável.

“Sabemos o que funciona. Precisamos ampliar a produção de alimentos básicos, apoiar a agricultura familiar, fortalecer redes de abastecimento e enfrentar desigualdades estruturais. Só assim consolidaremos um Brasil realmente livre da fome”, finalizou a presidenta do Consea.

Categorized in:

Governo Lula,

Last Update: 05/08/2025