Por Sergio Salles-Filho e Mariana Cesi, da Unicamp*
Entre as duas décadas que separam 2001 e 2021, o Brasil teve um crescimento de 271% em seu número de doutores, e de 210% em seu número de mestres, aumento sem precedentes na história do país. Os dados foram revelados na pesquisa Brasil: Mestres e Doutores 2024. O estudo, conduzido pelo Centro de Gestão de Estudos Estratégicos (CGEE), organização social supervisionada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, levanta o questionamento: será que finalmente há doutores e mestres suficientes no Brasil? A resposta é não.
Desde 2010, o CGEE lança um olhar para a situação do sistema de Pós-Graduação brasileiro. Esses dados devem ser olhados com atenção, para que possamos compreender onde o país se encontra frente à agenda global de transformações. No mundo contemporâneo, a ciência possui um papel central para a construção de modelos sustentáveis de relações entre planeta e seres humanos.
O Brasil apresentou um importante crescimento e reduziu desigualdades regionais dos programas de pós-graduação. Apesar disso, ainda está distante da realidade não apenas de países do Norte Global, mas de muitos de seus vizinhos latino-americanos.
Para compreender melhor a realidade brasileira em relação ao mundo, é possível olhar a proporção de mestres e doutores titulados para cada 100 mil habitantes. Mesmo com todos os esforços de expansão, o país apresentou o menor número de mestres titulados em comparação a 24 países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico.
Em relação aos doutores, a situação é apenas um pouco melhor: o país ocupa a 22ª posição entre os 24 países. Enquanto o Brasil possuía, em 2021, cerca de 10 doutores para cada 100 mil habitantes, o Reino Unido dispunha de cerca de 37. A Dinamarca possuía 35 e, a Alemanha, cerca de 34 doutores para cada 100 mil alemães.
Mas, afinal, qual a importância de mestres e doutores para um país? Diante das mudanças climáticas, epidemias globais, crises na biodiversidade e centralidade da segurança alimentar, é possível dizer que a ciência nunca foi tão central para garantir a vida na Terra.
A ciência permite desenvolver tecnologias, resolver problemas de ordem prática e tomar decisões informadas. Em outras palavras, nunca foi tão importante ter conhecimento especializado e capacidade de aplicação desses conhecimentos para o bem comum. Para que um país possa estar à frente dessas demandas, um contingente adequado de mestres e doutores é essencial.
Há outros dois pontos que merecem atenção na pesquisa divulgada pelo CGEE: o crescimento desigual entre áreas na pós-graduação e a queda de interesse nos programas pós-pandemia.
Em relação ao primeiro ponto, áreas como ciências biológicas, engenharias, ciências agrárias e ciências exatas e da terra tiveram as menores taxas de crescimento de titulados. Diante da importância desses conhecimentos frente às transformações digitais, é urgente pensar caminhos para atrair esse público para a pesquisa.
No que diz respeito à queda de interesse geral pela pós-graduação, a pesquisa demonstra que o ano de 2020 teve uma queda excepcional no número de titulados. Não se sabe se isso se deve aos efeitos da pandemia ou se é um novo fenômeno que veio para ficar.
Acompanhar os dados com atenção é fundamental para saber como agir no presente e no futuro próximo. O estudo do CGEE destaca que as taxas de crescimento de titulados do país foram muito instáveis, marcados por quedas nas buscas pela pós-graduação.
Esses dados não devem ser analisados de forma isolada. É fundamental reconhecer que a pesquisa brasileira essencialmente acontece em instituições e universidades públicas. No caso das universidades, elas precisam sustentar em seu orçamento, além da pesquisa, o ensino e a extensão. Esse mesmo orçamento é marcado por instabilidades, que afetam diretamente a execução de suas atividades, incluindo a pesquisa científica.
Desde o início da última década, estudiosos da meta-ciência, também chamada da pesquisa da pesquisa, ou ciência da ciência, debatem uma questão central: quem determina o que será pesquisado, e para quem isso será pesquisado?
No Brasil, temos o privilégio de ter instituições de pesquisa cuja missão está voltada para a sociedade. Garantir a consistência nos investimentos para essas instituições e seus pesquisadores, dos quais os pós-graduandos correspondem à maior parte, é fundamental para gerar impacto para o país. Isso implica em infraestrutura, boas condições de trabalho e fomento à pesquisa e inovação.
Já há evidências neste sentido, como as apresentadas por pesquisadores do projeto Pesquisa da Pesquisa, do Laboratório de Estudos sobre a Organização da Pesquisa e da Inovação (LabGEOPI | Unicamp). Os estudos investigaram o efeito das bolsas de doutorado da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) na trajetória de pesquisadores.
O impacto científico, medido por citações das publicações dos pesquisadores, foi cerca de 6 vezes maior que o daqueles que fizeram doutorado sem acesso a bolsa. Seria como dizer que, sem aquelas bolsas, a importância relativa da pesquisa no estado de São Paulo e no Brasil cairiam drasticamente. O recente reajuste de bolsas da Fapesp reconhece o impacto desse financiamento para garantir resultados.
Há diversos outros pontos da pesquisa do CGEE que merecem uma análise cuidadosa. Dentre eles, estão: desigualdade salarial entre homens e mulheres, desigualdades regionais, que ainda persistem, e estratégias para inserção de pesquisadores recém-titulados no mercado de trabalho.
Um ponto que chama a atenção é a participação da indústria de transformação no emprego de doutores. A presença de mestres e doutores na indústria constitui um indicador positivo da capacidade das empresas de inovar e competir dentro e fora do país. O número ficou estagnado em torno de 1,6%, valor ainda baixo, que requer reflexão sobre suas causas.
Reconhecer o papel central da ciência é imperativo no mundo contemporâneo. Para que o país esteja à frente dessas mudanças, é preciso que haja vontade de conhecer o sistema em que se faz a ciência, suas fragilidades e fortalezas, de modo a agir sobre elas e ser capaz de colher seus frutos.
Sergio Salles-Filho é Professor do Departamento de Política Científica e Tecnológica do Instituto de Geociências, Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Mariana Ceci é da Unicamp.
Este artigo não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN.