O governo brasileiro reagiu oficialmente nesta terça-feira (1º) às críticas publicadas pela revista britânica The Economist, que acusou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva de perder influência internacional e de adotar uma diplomacia incoerente.

Em carta assinada pelo chanceler Mauro Vieira, o Itamaraty defendeu a política externa brasileira como pacífica, multilateral e coerente com o direito internacional, e acusou a publicação de ignorar os princípios que o Brasil sustenta em sua atuação global.

A matéria da The Economist, publicada no domingo (29), afirma que Lula estaria cada vez mais “impopular em casa” e “isolado no exterior”.

A revista critica duramente a condenação feita pelo governo brasileiro aos ataques dos Estados Unidos contra instalações nucleares no Irã, classificando a posição como destoante do que chamou de “democracias ocidentais”. Segundo o texto, o posicionamento de Lula o distanciaria do eixo EUA-Europa e o aproximaria de regimes autoritários.

Para a revista, esse suposto afastamento do Ocidente seria agravado pelo papel central que o Brasil exerce no BRICS, bloco liderado por países como China, Rússia e Irã, cuja influência estaria “comprometendo a neutralidade brasileira”. 

O texto acusa ainda Lula de não buscar aproximação com Donald Trump e de realizar gestos diplomáticos que “raramente se convertem em ganhos práticos”. 

No plano interno, a Economist também sublinha a queda de popularidade do presidente e a derrota recente do governo no Congresso com a derrubada do decreto do IOF.

A resposta oficial do governo foi enviada à redação da Economist por meio da embaixada brasileira em Londres. 

Na carta, o ministro Mauro Vieira defende que Lula é um dos poucos líderes globais que sustentam de forma coerente os quatro pilares essenciais da política internacional: democracia, sustentabilidade, paz e multilateralismo. “O respeito à autoridade moral do presidente Lula é indiscutível”, afirma o chanceler.

O documento reforça que a posição brasileira em relação aos ataques ao Irã não representa alinhamento com Teerã, mas sim respeito à legalidade internacional. 

“Essas ações constituem uma flagrante transgressão da Carta da ONU. Ferem, em particular, as normas da Agência Internacional de Energia Atômica”, diz a nota. 

O Itamaraty também lembrou que o Brasil condenou a invasão da Ucrânia pela Rússia em 2023, mantendo uma postura de equilíbrio diplomático.

O texto enfatiza que o Brasil é um país que não tem inimigos e que oferece segurança a investidores. 

“Somos um parceiro confiável que respeita as regras multilaterais de comércio e oferece segurança jurídica”, afirma Vieira. O chanceler também argumenta que o Brasil “não faz tratamento à la carte do direito internacional, nem interpretações elásticas do direito de autodefesa”.

Sobre o BRICS, a carta afirma que o Brasil vê o bloco como um “ator incontornável na luta por um mundo multipolar, menos assimétrico e mais pacífico”, e destaca o papel da presidência brasileira na promoção de temas como saúde, transição energética e reforma da governança global.

A carta ainda aponta que a proposta brasileira de taxação de bilionários apresentada no G20 incomodou setores conservadores e oligarquias globais.

Debate político: oposição celebra, governo se articula

A publicação da revista britânica teve ampla repercussão no debate político nacional. Parlamentares da extrema direita, como os senadores Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e Sergio Moro (União Brasil-PR), utilizaram trechos da Economist para reforçar ataques à gestão de Lula nas redes sociais. A narrativa de “impopularidade e isolamento” passou a ser instrumentalizada pela oposição para desgastar a imagem internacional do presidente.

Nos bastidores do Planalto, a reação do governo foi rápida. Segundo reportagem da Folha de S.Paulo, a necessidade de resposta foi discutida ainda no domingo (30), e o primeiro compromisso de Lula na segunda-feira foi justamente com o ministro Mauro Vieira. O objetivo da carta foi reverter o dano político e reafirmar o papel do Brasil como liderança global coerente com os valores do Sul Global e da diplomacia histórica brasileira.

A ministra Esther Dweck também comentou o caso, afirmando em evento do BNDES que “a deferência que os primeiros-ministros e presidentes do mundo inteiro têm em relação a Lula é uma coisa excepcional”. Em tom crítico, ela ironizou a postura da Casa Branca sob Trump: “Obviamente não nesse momento dos Estados Unidos, mas isso faz parte. Felizmente, digamos assim.”

A seguir, a íntegra da carta enviada pelo governo brasileiro à redação da revista The Economist:

“Poucos líderes mundiais, como o Presidente Lula, podem dizer que sustentam com a mesma coerência os quatro pilares essenciais à humanidade e ao planeta: democracia, sustentabilidade, paz e multilateralismo. Como Presidente do G20, Lula construiu um difícil consenso entre os membros, no ano passado, e ao longo do processo logrou criar uma ampla aliança global contra a fome e a pobreza. Também apresentou uma ousada proposta de taxação de bilionários que terá incomodado muitos oligarcas.

O Brasil vê o BRICS como ator incontornável na luta por um mundo multipolar, menos assimétrico e mais pacífico. Nossa presidência trabalhará para fortalecer o perfil do grupo como espaço de concertação política em favor da reforma da governança global e como esfera de cooperação em prol do desenvolvimento e da sustentabilidade.

Sob a liderança de Lula, o Brasil tornou-se um raro exemplo de solidez institucional e de defesa da democracia. Mostrou-se um parceiro confiável que respeita as regras multilaterais de comércio e oferece segurança a investidores. Como um país que não tem inimigos, o Brasil é também um coerente defensor do direito internacional e da resolução de disputas por meio da diplomacia. Não fazemos tratamento à la carte do direito internacional nem interpretações elásticas do direito de autodefesa. Lula é um eloquente defensor da Carta das Nações Unidas e das Convenções de Genebra.

A posição do Brasil quanto aos ataques ao Irã e, sobretudo, às instalações nucleares é coerente com esses princípios. Nossa condenação responde ao fato elementar de que essas ações constituem uma flagrante transgressão da Carta da ONU. Ferem, em particular, as normas da Agência Internacional de Energia Atômica, organização responsável por prevenir contaminação radioativa e desastres ambientais de larga escala.

Na gestão do Presidente Lula, o Brasil condenou a invasão da Ucrânia pela Rússia, ao mesmo tempo em que apontou a necessidade de abrir caminhos para uma resolução diplomática do conflito, ainda em 2023.

Lula não é popular entre os negacionistas climáticos. Em face de uma nova corrida armamentista, ele está entre os líderes que denunciam a irracionalidade de investir na destruição, em detrimento da luta contra a fome e do aquecimento global.

Para humanistas de todo o mundo, incluindo políticos, líderes empresariais, acadêmicos e defensores dos direitos humanos, o respeito à autoridade moral do presidente Lula é indiscutível.”

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Last Update: 02/07/2025