Brasil oferece aos Estados Unidos uma Lição de Maturidade Democrática

por Fernando Nogueira da Costa

O julgamento de Capachonaro e seus cúmplices, na tentativa de golpe contra o Estado de Direito, foi apresentado pela revista britânica The Economist, em seu número do dia 28 de agosto de 2025, como um caso de teste de como os países se recuperam de uma febre populista de direita – o chamado neofascismo. A reportagem se intitulou “Brazil offers America a lesson in democratic maturity”.

Curioso é se o Brasil oferece aos Estados Unidos uma lição de maturidade democrática, ainda assim a revista britânica não se escusa de dar seus “pitacos” na seara alheia, isto é, nas nossas instituições. Quanto às políticas, aproxima-se mais de acertar o alvo. Falha nas econômicas.

O “complexo de vira-lata” é uma expressão, criada pelo jornalista brasileiro Nelson Rodrigues, em 1958. Descreve um sentimento de inferioridade arcado pelos brasileiros voluntariamente em relação a outras nações e suas culturas, colocando o Brasil e seu povo em uma posição inferior.

É uma autodepreciação. Ela se manifesta na crença de o país, sua cultura e suas realizações são inferiores às de outras nações, levando a uma busca constante por aprovação externa e a uma falta de autoestima coletiva. Acredita o Brasil ser inferior em comparação com o resto do mundo.

De início, é prudente examinar quais são as críticas feitas ao Poder Judiciário e ao Poder Legislativo, além da possibilidade de o Poder Executivo regular a economia brasileira pela revista The Economist na reportagem de capa com o golpista chifrudo. Ela coloca o dedo nas feridas e aponta corretamente os problemas nacionais?

Na reportagem da The Economist, as críticas ao Supremo Tribunal Federal (STF) — e, por extensão, ao Poder Judiciário brasileiro — aparecem em diferentes níveis, articulando tanto aspectos institucionais quanto políticos. Entre os principais pontos destacados, o primeiro é o acúmulo de funções incomum

 O STF brasileiro combina três papéis distintos. Em outros países, costumam estar separados: corte de última instância em recursos judiciais; corte constitucional para decidir sobre questões constitucionais; corte criminal especial para julgar políticos. Isso torna o tribunal um ator central em praticamente todos os conflitos políticos e jurídicos do país.

Há excesso de processos e personalismo.  A Constituição de 1988 permite presidentes, governadores, partidos, sindicatos e outros atores recorram diretamente ao STF, sem passar por instâncias inferiores.

 Isso gera um volume gigantesco de casos: mais de 114 mil decisões em 2024. Para lidar com a sobrecarga, ministros podem decidir monocraticamente. Isso concentra poder e transforma juízes em figuras midiáticas. O tribunal tem presença em redes sociais, transmissões ao vivo e até no TikTok — algo visto como excesso de exposição e personalização.

O terceiro ponto crítico se refere à supremacia sobre o Legislativo e a política. O STF, na prática, acaba decidindo todas as grandes questões éticas, políticas e econômicas, substituindo o papel do Congresso – com hegemonia de congressistas de direita com baixíssimo nível cultural. Isso levanta dúvidas sobre a legitimidade democrática, pois juízes são não eleitos e, ao exercer esse poder, podem desestimular a confiança no processo político.

Sintoma desse quadro é a reação à ameaça bolsonarista e ampliação de poderes. Diante de ataques e ameaças de retaliação norte-americano incentivada pela família Capachonaro e seus apoiadores, o STF atribuiu a si próprio poderes excepcionais.

Por exemplo, instaurou e conduziu o “inquérito das fake news”, no qual atua simultaneamente como vítima, investigador e julgador. Os submissos às big techs como The Economist, criticam “decisões polêmicas” de Alexandre de Moraes. Ousou incluir o bloqueio da plataforma X (Twitter) por mais de um mês e a ordem de remoção de contas inteiras, não apenas de postagens específicas.

 A investigação é criticada por ser sigilosa, longa (seis anos) e sem transparência suficiente. A “vitimização” é a rede de ódio internacional jamais confrontada dessa maneira em outros países tolerantes com o neofascismo.

Daí as acusações de “exagero” e “mão pesada”. Críticos moderados e juristas progressistas afirmam o STF ter agido corretamente ao defender a democracia diante da ameaça autoritária de seus clientes (“perdeu, Mané!”), mas em alguns casos foi excessivo na dose, o que alimenta críticas de arbitrariedade. Alexandre de Moraes é visto como tendo uma atuação particularmente dura contra os defensores d intervenção militar seguida de mais uma ditadura.

Um argumento pueril é apontar o risco de erosão democrática. Os ingênuos  perante “agressão seguida de vitimização” alegam o excesso de protagonismo judicial pode minar a fé na política: se o STF decide tudo, qual o sentido do voto popular?

 Juízes acabam sendo percebidos como “governantes não eleitos”, usando o julgamento de políticos como instrumento de influência política. Até ministros reconhecem o problema: Gilmar Mendes admite a “judicialização excessiva da política”.

 A reportagem de The Economist menciona propostas de reforma com iniciativas em discussão para limitar o poder do STF:  dificultar o acesso direto de políticos ao tribunal; retirar a competência para julgar diretamente casos criminais de políticos, devolvendo-os a instâncias inferiores.

Em síntese, a crítica central da The Economist é o STF brasileiro ter se tornado um ator hiperpoderoso e hiper exposto, acumulando funções capazes de o transformar em árbitro supremo da política nacional. Embora tenha atuado para proteger a democracia contra Capachonaro, sua expansão de poderes e práticas pouco convencionais levantam questionamentos sobre excesso de protagonismo, déficit democrático e erosão da legitimidade do sistema político.

É possível apresentar um quadro comparativo destacando as críticas ao STF brasileiro em relação a cortes constitucionais ou supremas de outros países.

Supremo Tribunal Federal (Brasil) versus
Cortes Constitucionais/Supremas em Outros Países

Dimensão Brasil – STF Outros países (EUA, Alemanha, França etc.) Críticas apontadas pela The Economist
Acúmulo de funções Atua como corte de última instância, corte constitucional e tribunal criminal para políticos. Funções geralmente separadas (ex.: EUA: Suprema Corte só julga constitucionalidade; Alemanha: Tribunal Constitucional separado; Itália/França idem). Concentração excessiva →
torna o STF árbitro de tudo na política nacional.
Acesso direto Qualquer partido, sindicato, OAB, presidente ou governador pode recorrer diretamente ao STF. Normalmente casos sobem após esgotar instâncias inferiores. Gera sobrecarga (114 mil decisões/ano) e enfraquece instâncias inferiores.
Decisões monocráticas Ministros podem decidir sozinhos em casos relevantes. Decisões colegiadas predominam, com raríssimas exceções. Amplia poder pessoal dos ministros e aumenta personalização da Justiça.
Exposição pública Sessões transmitidas ao vivo, presença em redes sociais (até TikTok). Mais discrição: EUA, Alemanha, Reino Unido têm menor exposição midiática. Juízes viram “celebridades” e alimentam a politização.
Papel na política STF decide sobre impeachment, direitos sociais, orçamento, costumes, economia etc. Normalmente restrito a constitucionalidade e direitos fundamentais. Substitui o Legislativo em grandes temas → risco de “governo de juízes”.
Reação a ameaças autoritárias Ampliou seus poderes no “inquérito das fake news”, investigando, acusando e julgando ao mesmo tempo. Outros países mantêm separação clara entre vítima, acusador e juiz. Necessário para conter ataques de Bolsonaro, mas considerado “excessivo” e com baixa transparência.
Legitimidade democrática Juízes não eleitos acumulam poder sobre política e sociedade. Em outros países, também não são eleitos, mas com jurisdição mais restrita. Pergunta central: se o STF decide tudo, para que serve o voto?
Propostas de reforma Limitar acesso direto e restringir competência criminal sobre políticos. Já aplicadas em outros países. Busca reduzir sobrecarga e devolver peso ao Legislativo e à Justiça comum.

A vantagem do modelo brasileiro é o STF ter atuado como barreira contra ameaças autoritárias recentes (minuta do golpe “punhal verde-e-amarelo” com planos de assassinatos, rede de ódio com fake news). Os riscos apontados –  excesso de poder, protagonismo político, personalização dos ministros e erosão da confiança no processo eleitoral – são exagerados e menores diante as ameaças neofascistas.


Fernando Nogueira da Costa – Professor Titular do IE-UNICAMP. Baixe seus livros digitais em “Obras (Quase) Completas”: http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/ E-mail: [email protected]

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Last Update: 03/09/2025