Sob coordenação do Brasil, os países do BRICS iniciaram um processo de mapeamento dos sistemas de pagamento nacionais com o objetivo de ampliar a integração financeira do bloco.

A proposta, acordada entre os membros, visa identificar mecanismos já existentes em cada país para permitir conexões técnicas entre plataformas e facilitar transações em moedas locais. O plano é considerado um primeiro passo antes de qualquer discussão sobre estruturas novas ou adoção de moeda comum.

A iniciativa antecede a cúpula do BRICS marcada para os dias 6 e 7 de julho, no Rio de Janeiro. Segundo interlocutores envolvidos nas negociações, a preferência é usar plataformas já consolidadas para evitar custos adicionais e acelerar a integração. A estratégia também procura reduzir a dependência do dólar nas operações comerciais e financeiras, sem que isso implique confrontos diretos com os Estados Unidos.

Apesar da pressão de países como a Rússia e de declarações da presidente do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), Dilma Rousseff, não haverá anúncio de compromissos formais sobre a criação de uma moeda única ou a substituição do dólar.

A resistência aumentou após ameaças do ex-presidente norte-americano Donald Trump, que declarou a possibilidade de impor tarifas caso o BRICS adotasse um sistema próprio de pagamentos que excluísse a moeda norte-americana.

O governo brasileiro já havia deixado claro que não considera a moeda comum como prioridade. Em fevereiro, o embaixador Maurício Lyrio, responsável pelas negociações diplomáticas do grupo, afirmou que a presidência brasileira no BRICS está focada em medidas práticas, como o uso de moedas locais nas transações bilaterais e o fortalecimento da cooperação entre os bancos centrais.

A secretária de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda, Tatiana Rosito, também se posicionou sobre o tema, afirmando à Folha de S. Paulo que “as ameaças de Trump tiveram um impacto bastante limitado sobre a atuação do grupo”. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por sua vez, vem defendendo a adoção de meios que reduzam custos operacionais e dependência cambial, mas sem adotar discursos que ampliem tensões geopolíticas.

Entre as alternativas que ganham destaque nas discussões está o Pix, sistema de pagamentos instantâneos desenvolvido pelo Banco Central do Brasil. Considerado um modelo eficiente de liquidação financeira, o Pix é avaliado como uma ferramenta com potencial de integração internacional. No entanto, ainda enfrenta obstáculos, como divergências regulatórias em matéria tributária e de prevenção à lavagem de dinheiro entre os países membros.

O Banco Central brasileiro também participa das discussões com o projeto Drex, uma versão digital do real que está em fase de testes. A moeda digital brasileira foi pensada para facilitar transações mais complexas e ampliar a eficiência dos pagamentos. Uma das principais preocupações no momento são os aspectos relacionados à privacidade dos usuários, que ainda precisam ser definidos.

O debate no BRICS acompanha uma tendência global. O Banco de Compensações Internacionais (BIS) tem coordenado estudos para permitir a integração entre moedas digitais de diferentes países. Um dos projetos, chamado mBridge, uniu os bancos centrais da China e dos Emirados Árabes Unidos, com o objetivo de viabilizar pagamentos instantâneos transfronteiriços. A iniciativa, no entanto, foi encerrada em 2024. De acordo com representantes do BIS, a decisão de descontinuar o projeto não foi motivada por fatores políticos.

Atualmente, fazem parte do BRICS Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Indonésia e Irã. A Arábia Saudita, embora tenha sido convidada a integrar o grupo em 2023, ainda não oficializou sua entrada, mas segue participando dos encontros como observadora.

A chamada “trilha financeira” do BRICS, liderada por técnicos dos Ministérios da Fazenda e dos Bancos Centrais dos países-membros, busca soluções para tornar as transações internacionais menos vulneráveis a variações cambiais externas. O foco é aumentar a autonomia econômica das nações envolvidas por meio do uso de suas próprias moedas e da interconexão dos sistemas nacionais.

Os representantes do bloco descartam, por ora, qualquer ruptura brusca com o modelo financeiro global, mas indicam que a cooperação técnica e o uso das inovações digitais devem orientar os próximos passos. A avaliação é que, ao mapear e interligar as plataformas já existentes, o BRICS pode construir uma base sólida para, futuramente, ampliar a integração monetária e reduzir custos em suas operações comerciais e financeiras.

Com a liderança do Brasil na presidência rotativa de 2025, os próximos meses serão decisivos para o avanço das propostas. O cronograma inclui reuniões técnicas e políticas com foco na harmonização regulatória e na troca de experiências entre as autoridades monetárias. A expectativa é que os primeiros relatórios sobre a compatibilidade entre os sistemas nacionais de pagamento sejam apresentados ainda neste semestre.

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Last Update: 04/07/2025