Com o lema “Construindo um Mundo Justo e um Planeta Sustentável”, a proposta do Brasil de criação de uma Aliança Global contra a Fome e a Pobreza foi aprovada por aclamação pelo G20, durante seu pré-lançamento, ocorrido nesta quinta-feira (25), na sede da ONG Ação da Cidadania, no Rio de Janeiro. Ao encerrar a reunião, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva falou sobre a urgência de o mundo superar esses dois males e voltou a criticar a alta concentração de renda e o fato de os organismos internacionais não representarem os países em desenvolvimento.
“Ao longo dos séculos, a fome e a pobreza estiveram cercadas de preconceitos e interesses. Muitos viam os pobres como um ‘mal necessário’ e mão-de-obra barata para produzir as riquezas das oligarquias. Falsas teorias os consideravam responsáveis pela própria pobreza, atribuída a uma indolência inata, sem qualquer evidência nesse sentido”, disse Lula ao iniciar seu discurso.
O presidente destacou o papel da globalização neoliberal no agravamento desse quadro e salientou: “Nunca tantos tiveram tão pouco e tão poucos concentraram tanta riqueza. Em pleno século 21, nada é tão absurdo e inaceitável quanto a persistência da fome e da pobreza, quando temos à disposição tanta abundância, tantos recursos científicos e tecnológicos e a revolução da inteligência artificial”.
Lula salientou, ainda, que tais disparidades não podem ser naturalizadas e que “a fome é a mais degradante das privações humanas. É um atentado à vida, uma agressão à liberdade. A fome, como dizia o grande cientista social brasileiro Josué de Castro, ‘é a expressão biológica dos males sociais’”.
Leia também:
O presidente também tratou das discriminações étnica, racial e geográfica, que igualmente amplificam a fome e a pobreza entre populações afrodescendentes, indígenas e comunidades tradicionais.
Além disso, Lula argumentou que tal cenário vem piorando ainda mais devido a crises recorrentes e simultâneas, tais como a pandemia de Covid-19, os conflitos armados e os eventos climáticos extremos.
O presidente também criticou os subsídios agrícolas em países ricos, que “solapam a agricultura familiar no Sul Global” e o protecionismo, que discrimina os produtos de países em desenvolvimento.
Mesmo considerando todos esses fatores, Lula enfatizou que a fome decorre, sobretudo, de escolhas políticas. “Hoje o mundo produz alimentos mais do que suficiente para erradicá-la. O que falta é criar condições de acesso aos alimentos. Enquanto isso, os gastos com armamentos subiram 7% no último ano, chegando a 2,4 trilhões de dólares”, argumentou.
Inverter essa lógica, pontuou o presidente, “é um imperativo moral, de justiça social, mas também essencial para o desenvolvimento sustentável”.
Avanços no Brasil
O presidente apontou ainda iniciativas como a formulação do Plano Nacional de Cuidados, as melhorias no Bolsa Família, o Programa de Aquisição de Alimentos e de Alimentação Escolar e o estímulo à agricultura familiar como componente essencial dessa estratégia.
Em síntese, afirmou, “tomamos a decisão política de colocar os pobres no orçamento. Como resultado, só em 2023 retiramos 24,4 milhões de pessoas da condição de insegurança alimentar severa. Ainda temos mais de 8 milhões de brasileiras e brasileiros nessa situação. Este é o compromisso mais urgente do meu governo: acabar com a fome no Brasil, como fizemos em 2014”. Em breve, disse, “o Brasil sairá novamente do Mapa da Fome”.
Viabilização da Aliança
Ao tratar da Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, Lula defendeu a articulação de todos os atores relevantes para viabilizá-la e citou, entre outros, as Nações Unidas — e, particularmente, a FAO, o Fida (Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola) e o Programa Mundial de Alimentos —, os governos locais, a sociedade civil e o setor privado.
“Nossa melhor ferramenta será o compartilhamento de políticas públicas efetivas”, declarou, acrescentando que serão sistematizados e oferecidos projetos que possam ser adaptados às realidades específicas de cada região, a serem adotados pelos países receptores conforme suas necessidades.
De acordo com o presidente, a Aliança será gerida com base em um secretariado alojado nas sedes da FAO em Roma e em Brasília, com uma estrutura pequena e provisória, formada por pessoal especializado e que funcionará até 2030, quando será desativada.
Lula explicou, ainda, que metade dos seus custos serão cobertos pelo Brasil e que a Aliança não criará fundos novos — os recursos globais e regionais que já existem, mas estão dispersos, serão direcionados para esta finalidade.
Soma-se a isso o apoio de outros países e organismos, entre os quais o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o Banco Africano de Desenvolvimento. “Ambas as instituições estabelecerão um mecanismo financeiro inovador para o uso do capital híbrido dos Direitos Especiais de Saque em apoio à Aliança Global Contra a Fome e a Pobreza”, disse Lula. Da mesma maneira, conforme anunciado, o Banco Mundial e a Associação Internacional para o Desenvolvimento contribuirão nesse sentido.
Organismos internacionais e super-ricos
Ao tratar dos organismos internacionais, Lula ainda destacou que “a representação distorcida na direção do FMI e do Banco Mundial é um obstáculo ao enfrentamento dos complexos problemas da atualidade. Sem uma governança mais efetiva e justa, na qual o Sul global esteja adequadamente representado, problemas como a fome e a pobreza serão recorrentes”.
O presidente também criticou a hiper-concentração de renda em nível global, lembrando que a riqueza dos bilionários passou de 4% do PIB mundial para quase 14% nas últimas três décadas. “Alguns indivíduos controlam mais recursos do que países inteiros. Outros possuem programas espaciais próprios”, alfinetou.
Lula também frisou que “os super-ricos pagam proporcionalmente muito menos impostos do que a classe trabalhadora” e que para corrigir essa anomalia, “o Brasil tem insistido no tema da cooperação internacional para desenvolver padrões mínimos de tributação global, fortalecendo as iniciativas existentes e incluindo os bilionários”.
Outro ponto salientado pelo presidente é que a redução de vulnerabilidades socioeconômicas “pavimenta o caminho para a transição justa, constrói resiliência frente a eventos extremos e fortalece os esforços contra o aquecimento global. A transição energética e a descarbonização do planeta são oportunidades nessa luta contra a fome”.
Ao concluir sua fala, o presidente enfatizou que “fome e a pobreza inibem o exercício pleno da cidadania e enfraquecem a própria democracia. Erradicá-las equivale a uma verdadeira emancipação política para milhões de pessoas. Enquanto houver famílias sem comida na mesa, crianças nas ruas e jovens sem esperança, não haverá paz”.
Por fim, declarou: “Um mundo justo é um mundo em que as pessoas têm acesso desimpedido à alimentação, à saúde, à moradia, à educação e a empregos decentes”.