
Por Washington Araújo
Chegou a hora de darmos um basta ao negacionismo científico. Esconder a cabeça no buraco, ignorando a realidade, não só nos afasta da verdade, mas desperdiça a pouca energia e motivação que ainda temos para melhorar o mundo enfrentando os desafios que nos cercam. A mudança climática, antes tratada como um “elefante branco na sala”, agora se impõe como uma força inegável, visível em cada onda de calor, inundação e seca que assola o planeta.
Em vez de enfrentarmos essa crise com ações decisivas, estamos correndo ao seu encontro, permitindo que as temperaturas globais subam e os impactos se agravem. O gráfico das Warming Stripes, com suas faixas que transitam do azul ao vermelho ano a ano, é uma prova visual brutal.
Os dados do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) de 2023 confirmam que já ultrapassamos 1,1°C acima dos níveis pré-industriais. Projeções alarmantes indicam até 2,5°C a 3°C até 2100 se nada for feito.
A tempestade silenciosa do elefante
As evidências são esmagadoras. O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) alerta que, sem cortes drásticos nas emissões de gases de efeito estufa, enfrentaremos consequências catastróficas.
Cidades costeiras podem ser submersas, colapsos agrícolas podem ocorrer e migrações em massa podem se intensificar. No entanto, o que me inquieta é a tendência global de priorizar “resiliência climática” e “adaptação” em vez de atacar as causas.
Essas estratégias, embora necessárias para lidar com danos já inevitáveis, são insuficientes sem medidas para reduzir emissões. É como tentar esvaziar um navio afundando com baldes, ignorando o buraco que o faz naufragar.
Um estudo da Nature Climate Change de 2024 aponta que os investimentos em adaptação cresceram 23% desde 2020. Enquanto isso, os esforços para descarbonizar economias permanecem estagnados, um sinal de que priorizamos sintomas em vez de causas.
As duas últimas conferências do clima, COP 28 e COP 29, refletem esse dilema. Realizada em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, de 30 de novembro a 13 de dezembro de 2023, a COP 28 reuniu representantes de 198 países.
O evento ocorreu em meio a um ano em que as temperaturas globais atingiram níveis recordes, com o aquecimento médio superando 1,1°C. Duas decisões marcantes emergiram: o acordo para iniciar o fim da era dos combustíveis fósseis com uma transição “justa e equitativa” até 2050.
Também foi criada um fundo de “perdas e danos” para compensar nações vulneráveis, inicialmente capitalizado com US$ 430 milhões. Já a COP 29, realizada em Baku, Azerbaijão, de 11 a 22 de novembro de 2024, ocorreu enquanto a temperatura média de janeiro a setembro alcançava 1,54°C acima do período pré-industrial, segundo a Organização Meteorológica Mundial (WMO).

Com cerca de 40.000 a 50.000 delegados de 198 países, o evento definiu um compromisso de mobilizar US$ 300 bilhões anuais até 2035 para países em desenvolvimento. Também estabeleceu regras para mercados de carbono, um passo crucial, mas insuficiente diante da meta de US$ 1 trilhão demandada.
Agora, os olhos do mundo se voltam para a COP 30, que pela primeira vez será sediada no Brasil, em Belém, de 10 a 21 de novembro de 2025. Essa conferência carrega uma importância planetária histórica, sendo a primeira realizada em uma cidade amazônica, lar de 60% da maior floresta tropical do planeta.
O Brasil terá a chance de liderar pela ação, mas enfrenta desafios colossais. A pressão para apresentar Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) mais ambiciosas em 2025 será intensa, exigindo cortes reais nas emissões e a proteção da Amazônia, que sofre com o desmatamento acelerado.
Além disso, o país precisará mediar tensões entre nações ricas e pobres sobre financiamento climático. A meta é elevar os US$ 300 bilhões acordados em Baku para os US$ 1,3 trilhão propostos no “Roteiro de Baku a Belém”.
A infraestrutura de Belém, ainda em adaptação, e a influência de interesses econômicos locais, como a exploração de petróleo na foz do Amazonas, podem complicar as negociações. Outro obstáculo será convencer o mundo a ir além da retórica.
A COP 30 precisa ser a “Conferência da Implementação”, transformando promessas em ações concretas, como a expansão de energias renováveis e a redução de subsídios a combustíveis fósseis. O sucesso dependerá da capacidade do Brasil de unir cientistas, governos, setor privado e comunidades indígenas, cujos conhecimentos tradicionais são vitais.
Enquanto as Warming Stripes pintam um futuro vermelho de alertas, a pergunta permanece: teremos coragem de enfrentar o elefante ou continuaremos a correr em direção ao abismo?
A resposta está nas mãos da próxima geração, que exige de nós ação, não apenas palavras. Como professor universitário há muitos anos, sinto o peso dessa responsabilidade. Não podemos mais nos dar ao luxo de ignorar o elefante que, com suas faixas vermelhas e azuis, nos encara diretamente, exigindo que acordemos antes que o relógio do clima chegue ao fim.