Brasil em Xeque: despesas obrigatórias consomem mais de 90% do orçamento e travam a gestão fiscal

por Marcelo Anache

Em meio a um cenário fiscal cada vez mais apertado, o Brasil se depara com um dilema estrutural que vem limitando a capacidade de ação do governo federal: mais de 90% do orçamento está comprometido com despesas obrigatórias. Com essa fatia significativa já definida por leis e vinculações constitucionais, sobra pouco ou quase nada para investimentos públicos, políticas sociais inovadoras ou mesmo para reagir a crises econômicas inesperadas.

A dificuldade de se estabelecer uma regra fiscal eficaz – que limite os gastos e controle o endividamento público – não é de hoje. O país já testou diferentes modelos: do antigo superávit primário à controversa regra do teto de gastos, que vigorou a partir de 2016. No entanto, o problema vai além da escolha de um arcabouço fiscal. Ele está enraizado na rigidez orçamentária, herdada de um sistema legal que engessa o planejamento e a execução do orçamento público.

O peso das despesas obrigatórias

Atualmente, mais de 90% do orçamento primário da União está comprometido com despesas obrigatórias — gastos que o governo é legalmente obrigado a realizar, como aposentadorias, pensões, benefícios sociais (como o Bolsa Família), salários de servidores, transferências constitucionais a estados e municípios, além de gastos mínimos com saúde e educação.

Essa rigidez orçamentária limita fortemente a capacidade do governo de investir em infraestrutura, inovação ou responder a emergências econômicas e sociais. Com apenas uma pequena parcela do orçamento disponível para despesas discricionárias, qualquer tentativa de ajuste fiscal ou de lançamento de novos programas esbarra na falta de espaço fiscal.

A recorrente adoção de bloqueios e contingenciamentos sobre os gastos públicos no Brasil tem se consolidado como uma estratégia de curto prazo para lidar com desequilíbrios fiscais. No entanto, embora esses mecanismos possam oferecer alívio momentâneo às contas públicas, na prática funcionam como medidas paliativas que apenas empurram os problemas estruturais para o futuro.

Ao limitar a execução orçamentária de áreas essenciais — como educação, saúde, infraestrutura e ciência — os contingenciamentos não resolvem a origem dos desequilíbrios, mas apenas reduzem temporariamente a velocidade do comprometimento de recursos. Frequentemente, essas restrições são aplicadas de forma linear e sem planejamento estratégico, afetando a qualidade dos serviços públicos e interrompendo políticas públicas de longo prazo.

Além disso, o uso recorrente desse expediente indica a falta de uma reforma fiscal abrangente, que enfrente as causas estruturais da rigidez orçamentária, como a elevada proporção de gastos obrigatórios, o peso dos juros da dívida pública e o desequilíbrio entre arrecadação e despesas nos diferentes entes federativos. Nesse contexto, os bloqueios orçamentários tornam-se uma espécie de “aspirina fiscal”: aliviam sintomas, mas não curam o sistema.

O resultado é a postergação de decisões políticas difíceis, como a revisão de renúncias fiscais ineficientes, a melhoria da qualidade do gasto e a reestruturação do pacto federativo. Enquanto isso, o país segue operando em modo reativo, sob tensão permanente, com baixa capacidade de planejamento e execução de políticas públicas que impulsionem o desenvolvimento.

Portanto, a superação da cultura dos contingenciamentos exige uma agenda de transformação fiscal responsável, transparente e orientada por metas de longo prazo — capaz de equilibrar a estabilidade macroeconômica com o fortalecimento do Estado como indutor do bem-estar coletivo.

Selic em alta: como os juros impactam a dívida pública brasileira e por que suas elevações não têm abrandado a atividade econômica?

A cada reajuste da taxa Selic — a taxa básica de juros da economia — o custo da dívida pública brasileira aumenta significativamente. Isso acontece porque boa parte dos títulos emitidos pelo Tesouro Nacional está atrelada a taxas flutuantes, como a própria Selic.

Quando os juros sobem, o governo precisa pagar mais para rolar sua dívida e remunerar os investidores que compram esses papéis.

Com uma dívida bruta que gira em torno de 75% do PIB, mesmo variações pequenas na Selic geram impactos bilionários sobre o orçamento da União. Esse aumento no custo do endividamento compromete ainda mais o espaço fiscal, já limitado por despesas obrigatórias que, conforme já comentado, consomem mais de 90% do orçamento.

Além disso, juros altos também afetam negativamente o crescimento econômico, encarecendo o crédito para empresas e famílias. Isso, por sua vez, pode reduzir a arrecadação de impostos, alimentando um círculo vicioso de baixo crescimento, alta dívida e pressão por mais ajuste fiscal.

Não bastasse o controle da inflação justificar elevações da Selic em determinados contextos, seus efeitos nesse momento se mostram pouco eficazes, pois ao contrário do que se esperava, a economia não tem dado sinais de desaceleração. Usando das ideias do Prof. José Marcio de Camargo é possível supor que o efeito substituição – negativo, gerado pela troca intertemporal do consumo presente em favor do consumo futuro, diante do aumento do juro, esteja sendo superado pelo efeito riqueza – positivo, proporcionado pelo aumento da demanda dos agentes à medida que o serviço e o estoque da dívida crescem.

Um ciclo de promessas e frustrações

A mais recente tentativa de trazer previsibilidade e responsabilidade às contas públicas foi o novo arcabouço fiscal aprovado em 2023, substituindo o teto de gastos. A nova regra busca combinar controle fiscal com espaço para crescimento do investimento público, vinculando o aumento de despesas à expansão da arrecadação. No entanto, mesmo esse novo modelo enfrenta sérias dificuldades para se consolidar diante do peso das despesas obrigatórias e das pressões políticas por mais gastos.

Portanto, sem enfrentar o núcleo do problema – a obrigatoriedade e a rigidez do orçamento –, qualquer regra fiscal corre o risco de ser letra morta.

A urgência de um debate político e social

Chegou o momento de a sociedade e a classe política repensarem o papel e o funcionamento do orçamento público. O modelo atual, embora proteja direitos sociais, precisa ser equilibrado com a necessidade de sustentabilidade fiscal e capacidade de gestão. Isso não significa cortar direitos, mas sim reavaliar prioridades, melhorar a eficiência do gasto público e criar mecanismos mais flexíveis de adaptação às mudanças sociais e econômicas.

Reformas como a administrativa, que visa racionalizar o serviço público, e a tributária, que pode ampliar a base de arrecadação sem elevar a carga tributária sobre os mais pobres, são peças essenciais nesse processo.

Marcelo Anache – Prof. do Curso de Ciências Econômicas do Centro Universitário IBMR. Prof. dos Cursos de Administração e Contabilidade da Faculdade Souza Marques.

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Last Update: 13/06/2025