Um novo estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), divulgado nesta quinta-feira (4), traz uma constatação contundente e revela um paradoxo que atravessa duas décadas: o Brasil está sentado sobre algumas das maiores reservas de minerais críticos do planeta — essenciais para tecnologias de baixo carbono —, mas ainda não conseguiu transformar essa riqueza subterrânea em protagonismo industrial ou tecnológico.
Embora detenha cerca de 10% das reservas mundiais desses minerais — essenciais para baterias de veículos elétricos, painéis solares, turbinas eólicas e semicondutores — o país produz pouco, refina menos ainda e segue dependente de cadeias produtivas dominadas por outros atores, sobretudo a China.
Os pesquisadores Rafael da Silveira Soares Leão, Mariano Laio de Oliveira e Danúbia Rodrigues da Cunha destacam que apenas recentemente o Brasil começou a retomar investimentos em pesquisa geológica e capital físico — passos importantes, mas insuficientes para recuperar o atraso de décadas. Enquanto isso, competidores muito menores, como Moçambique e Madagascar, avançaram rapidamente.
Reservas comparáveis às maiores do mundo, mas produção em queda
O contraste entre potencial e realidade é marcante. O Brasil aparece:
- 1º escalão das reservas globais de grafita, manganês, terras raras, níquel e bauxita.
- 19% das reservas mundiais de terras raras, atrás apenas de China e Vietnã.
- 74 milhões de toneladas de grafita, volume semelhante ao chinês.
- 3º maior reservatório de manganês do planeta.
Ainda assim, a produção nacional de minerais estratégicos caiu ano após ano no último período analisado:
- Grafita: queda média de 8,4% ao ano
- Manganês: retração de 7,4% ao ano
- Terras raras: redução de 6,4% ao ano
A exceção recente é o lítio do Vale do Jequitinhonha, cuja produção cresceu mais de 75% ao ano e colocou o Brasil na sexta posição global. Mas, para o estudo, esse avanço é insuficiente: o país continua distante das etapas de refino e da indústria de baterias, onde se concentra o valor agregado.
Enquanto isso, o mundo avançou em ritmo acelerado para abastecer a demanda da transição energética. O contraste fica ainda maior quando comparado à guinada de países antes periféricos nesse mercado. Moçambique multiplicou sua produção de grafita por 206 vezes desde 2017. Madagascar cresceu nove vezes. A Guiné quase triplicou sua extração de bauxita. O Brasil, por sua vez, reduziu sua oferta de bauxita em 2,8% ao ano.

Por que o Brasil ficou para trás
Os pesquisadores apontam um conjunto de entraves que travam a competitividade do país:
• Falta de investimento continuado em exploração e pesquisa geológica
Sem dados atualizados e detalhados sobre seu subsolo, o Brasil não atrai o volume de investimentos que poderia.
• Gargalos logísticos e ambientais
Rodovias precárias, dificuldades no licenciamento e baixa capacidade de fiscalização criam insegurança e atrasam projetos.
• Ausência de estratégia industrial integrada
Hoje, o país exporta minério bruto e importa tecnologia — repetindo a lógica histórica de fornecedor primário. Segundo o Ipea, a dependência brasileira da importação de minerais processados aumentou, reforçando a fragilidade do modelo. Com isso, o país se torna duplamente vulnerável: vende barato suas matérias-primas; compra caro os insumos industriais e tecnologias da transição energética.
• Dependência quase total do refino externo
Enquanto a China controla 85% da produção global de baterias e entre 70% e 95% do refino de minerais estratégicos, o Brasil não possui plantas industriais competitivas para agregar valor ao que extrai.
Transição energética redefine a geopolítica — e o Brasil precisa reagir
A corrida global por minerais críticos é impulsionada pela mudança na matriz energética mundial. Um carro elétrico exige quatro vezes mais minerais estratégicos que um veículo a combustão. Turbinas eólicas e painéis solares demandam toneladas desses insumos.
Essa demanda criou uma “nova geopolítica dos recursos naturais”, na qual:
- Quem possui minerais críticos tem poder econômico e político.
- Quem domina o refino e a tecnologia controla as cadeias globais.
Hoje, o Brasil ocupa apenas a primeira dessas etapas — e parcialmente.
“Reservas não são suficientes. Sem tecnologia, o país seguirá subordinado às cadeias de valor definidas fora do seu território”, alerta Rafael Leão.
Um ciclo de investimentos se inicia — mas pode não ser suficiente
O Ipea identificou sinais de recuperação da produção em 2023, especialmente em cobre, manganês, zinco e lítio.
O salto no lítio — impulsionado pelo Vale do Jequitinhonha — colocou o Brasil entre os seis maiores produtores do mineral no mundo. Mas o estudo afirma que isso ainda não muda o panorama geral.
O relógio corre contra o Brasil
A transição energética está em pleno curso e tende a consolidar cadeias produtivas nos próximos anos. Quem ocupar esses espaços agora terá vantagens por décadas.
Para não perder a janela histórica, o estudo recomenda:
- redução de incertezas regulatórias
- fortalecimento da pesquisa geológica
- modernização logística
- política industrial integrada ao setor mineral
- investimentos em refino e processamento
- fomento à indústria nacional de tecnologias verdes
“Estamos diante de uma mudança estrutural que não acontecerá de novo”, conclui Leão. “O Brasil pode ser protagonista — mas só será se agir rápido.”