O governo Lula (PT) teme que a artilharia tarifária do presidente norte-americano Donald Trump deteriore as relações comerciais entre Brasil e Estados Unidos. O temor tem a ver com ímpeto que Trump já demonstrou na guerra comercial, desde que voltou ao poder, e pelo que pode estar por vir.

Muito da incerteza sobre as reais consequências da política tarifária do governo Trump tem relação com um anúncio que Trump pretende fazer no próximo dia 2 de abril, data que o republicano chama ‘Dia da Libertação’. É esperado que o governo norte-americano revele quais serão as tarifas recíprocas aplicadas como retaliação à taxação que outros países fazem a produtos norte-americanos.

Desde fevereiro, o escritório de representação dos EUA (conhecido pela sigla de USTR) abriu uma consulta pública para que empresas, entidades e mesmo pessoas possam comentar a política de reciprocidade tarifária do governo Trump. Chefiado por Jamieson Green, esse órgão recebeu o aval de Trump para revistar as práticas comerciais de parceiros norte-americanos. A lógica do governo Trump é que muitas delas são injustas do país.

O governo brasileiro, então, apresentou uma reclamação formal na página do USTR. Mesmo reconhecendo “os esforços do governo dos Estados Unidos para promover o desenvolvimento e a criação de empregos”, chamando a prática de “política legítima”, o governo Lula “insta os Estados Unidos a priorizar o diálogo e a cooperação em vez da imposição de restrições comerciais unilaterais, cujos riscos podem alimentar uma espiral negativa de medidas que poderiam comprometer severamente nossa relação comercial mutuamente benéfica”.

O documento foi protocolado no último dia 11 de março e é mais um instrumento de negociação com os norte-americanos. No campo diplomático, os ministros Mauro Vieira (Relações Exteriores) e Geraldo Alckmin (Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços) têm promovido reuniões com representantes do governo Trump, na tentativa de amenizar os impactos da política tarifária de Trump sobre os produtos brasileiros.

Lula, por sua vez, vem sendo mais enfático. Ao fim da sua visita ao Japão, nesta quinta-feira 27, o mandatário ameaçou levar à Organização Mundial do Comércio (OMC) uma reclamação contra as novas taxas de 25% impostas pelos EUA às importações de aço e alumínio, que afetam o Brasil. “Trump não é xerife do mundo”, criticou Lula. “Não dá para a gente ficar quieto achando que só eles têm razão e que só eles podem taxar os produtos […]. Esse protecionismo não ajuda nenhum país do mundo”, sintetizou o petista.

Um eventual apelo à OMC, porém, tende a ser infrutífero. A entidade responsável por mediar conflitos dessa natureza já não tem a mesma força de antes, uma vez que o órgão vem sendo esvaziado nos últimos anos. Esse quadro foi desenhado pelo próprio Trump, quando, ainda no seu primeiro mandato, bloqueou a indicação de juízes para a instituição.

O estado das relações comerciais entre Brasil e EUA

O Brasil tem bons motivos para trabalhar em prol de um arranjo que evite ter de lidar com consequências mais graves da política tarifária trumpista. Segundo dados norte-americanos, os dois países vêm registrando superávit comercial há quinze anos. Só no ano passado, os EUA tiveram um superávit comercial de 7,4 bilhões de dólares em comércio com o Brasil.

O Brasil tem nos EUA o seu segundo maior parceiro comercial, só atrás da China. É para os EUA, por exemplo, que o País destina, principalmente, óleos brutos de petróleo. A lista dos produtos mais exportados do Brasil para os EUA é composta, ainda, por produtos semimanufaturados de ferro ou aço não ligado; café não torrado, não descafeinado, em grãos; pastas químicas de madeira, à soda ou ao sulfato; e ferro fundido bruto não ligado.

Em termos percentuais, os EUA representaram, em 2024, 12% de tudo o que foi vendido pelo Brasil ao exterior, somando 40,3 bilhões de dólares, segundo o MDIC. Já as importações de produtos norte-americanos totalizaram 15,5% de tudo o que o Brasil importou no ano passado.

É com base nesse histórico e no fato de se considerar um bom parceiro comercial com os EUA que o governo brasileiro argumenta que não deve ser alvo de tarifas recíprocas. No documento, a representação do governo Lula aponta para o fato de que a proposta norte-americana de revidar com tarifas “viola seus compromissos legais sob a Organização Mundial do Comércio, desfaz o equilíbrio alcançado em negociações passadas e é prejudicial às suas relações econômicas de parceiros de longa data”. 

Trump aposta na guerra comercial. Foto: Mandel Ngan/AFP

Etanol

Apesar da falta de clareza sobre que produtos os EUA podem vir a taxar mais, o Brasil tenta proteger, principalmente, as exportações de etanol. Ainda no início de fevereiro, o governo Trump reclamou do fato de que o Brasil estaria impondo barreiras altas para a entrada do etanol norte-americano por aqui, enquanto, do lado contrário, o envio de etanol brasileiro para os EUA estaria sujeito a tarifas muito baixas.

“A tarifa dos EUA sobre o etanol é de apenas 2,5%. No entanto, o Brasil cobra uma tarifa de 18% sobre as exportações de etanol dos EUA”, diz um trecho do documento dos EUA que apresentou um panorama sobre tarifas recíprocas.

Do lado brasileiro, porém, o governo diz que a tarifa “está dentro dos níveis acordados na OMC e reflete as características econômicas, sociais e ambientais relacionadas à produção de etanol a partir da cana-de-açúcar, particularmente na região Nordeste do país”.

O Brasil ainda lembra que, “no mesmo setor de açúcar e álcool, enquanto a tarifa sobre as importações de açúcar no Brasil é de 7%, os Estados Unidos mantêm uma tarifa de US$ 340 por tonelada (equivalente a uma taxa de aproximadamente 80%), o que penaliza as exportações brasileiras do produto para os Estados Unidos”.

Cadeia global

O Brasil não está sozinho na sua demanda. Desde que voltou ao poder, no último mês de janeiro, Trump vem embaralhando o comércio global, em uma postura cujas consequências ainda não começaram a ser medidas integralmente.

Nesta semana, o governo Trump propôs estabelecer tarifas a navios chineses que entram nos portos norte-americanos. A ideia seria aplicar taxas de 1,5 milhão de dólares às embarcações chinesas, sob a justificativa de o país oriental domina de maneira desproporcional o sistema de construção naval. De acordo com o próprio USTR, a China já abocanha mais da metade da tonelagem mundial de navios cargueiros, em um número bastante superior ao registrado há 25 anos, quando os chineses tinham 5% do mercado.

Esse é um retrato do complexo quadro de medidas tarifárias de Trump. Também nesta semana, o governo norte-americano decidiu impor tarifas alfandegárias de 25% sobre “todos os automóveis que não são fabricados nos Estados Unidos”. Antes, os EUA taxaram produtos da União Europeia e da China.

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Last Update: 27/03/2025