Apesar dos avanços em algumas áreas, a educação no Brasil ainda luta para superar os efeitos devastadores da pandemia de Covid-19, que impactaram severamente o aprendizado e a alfabetização de crianças e adolescentes em diversas idades. De acordo com relatório “Pobreza Multidimensional na Infância e Adolescência no Brasil – 2017 a 2023”, lançado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) nesta quarta-feira (16), a pandemia deixou marcas profundas na formação educacional de milhões de brasileiros.
Alfabetização comprometida
A taxa de crianças de 7 e 8 anos não alfabetizadas aumentou de 14% em 2019 para preocupantes 30% em 2023. A interrupção das aulas presenciais durante a pandemia afetou de maneira desproporcional as crianças em idade de alfabetização, agravando desigualdades pré-existentes. O ensino remoto não conseguiu alcançar grande parte dos estudantes, especialmente aquelas de famílias de baixa renda, que enfrentaram limitações como falta de acesso à internet e dispositivos adequados para estudo.
Segundo o estudo, enquanto a taxa de analfabetismo entre crianças de 8 a 10 anos ocorre alta em 2023, as idades mais avançadas mostram um nível de recuperação. Por exemplo, entre adolescentes de 14 a 17 anos, a taxa de analfabetismo ficou em torno de 3%, refletindo uma maior estabilização educacional, embora as consequências na base sejam ainda preocupantes.
Atraso escolar em alta
O atraso escolar também é um problema crescente. Em 2023, cerca de 18% dos estudantes entre 9 e 17 anos ficaram atrasados em sua escolarização, um aumento em relação aos 12% registrados antes da pandemia, em 2019. Os índices são ainda mais altos para crianças mais novas. No grupo entre 8 e 10 anos, 25% enfrentaram atrasos em 2023, enquanto essa taxa era de 15% em 2019.
Para adolescentes de 15 a 17 anos, o atraso escolar atingiu 20% em 2023, contra 16% em 2019, causando que o impacto na aprendizagem foi duradouro mesmo entre os mais velhos, que tiveram maior capacidade de adaptação ao ensino remoto.
Disparidades regionais e raciais
Os efeitos da pandemia foram mais severos em populações historicamente vulneráveis. Crianças negras e pardas e aquelas que vivem em áreas rurais enfrentam as maiores taxas de privação educacional. Em 2023, mais de 12% das crianças negras de 8 anos estavam fora da escola, em comparação com 6% das crianças brancas na mesma faixa etária. Nas regiões rurais, 11% das crianças de 9 a 17 anos não frequentavam a escola em 2023, o dobro da taxa registrada nas áreas urbanas (5,5%).
Impacto direito
Entre as sete dimensões de pobreza avaliadas pelo UNICEF, a educação é a que mais apresentou retrocessos. Apesar de uma leve recuperação na taxa de privação extrema (1,2% em 2023, contra 1,6% em 2019), as taxas gerais de privação educacional previstas elevadas, chegando a 7,7% em 2023, em comparação com 7,1% antes da pandemia.
O relatório deixa evidente a necessidade de intervenções urgentes. Políticas públicas que priorizem a recuperação da aprendizagem, especialmente entre crianças pequenas e grupos vulneráveis, se mostram fundamentais. Além disso, programas como reforço escolar, expansão do ensino integral e formação continuada de professores podem ajudar a mitigar os danos educacionais gerados pela pandemia.
A crise na educação pós-pandemia reflete desafios estruturais que já existiam por aqui e que foram amplificados pela emergência sanitária. Agora, o país tem o desafio não só de recuperar o que foi perdido, mas de criar condições para um futuro educacional mais equitativo e inclusivo, garantindo que nenhuma criança fique para trás.