do Le Monde

Brasil, a nova fábrica da democracia

por Bruno Meyerfeld, correspondente em São Paulo

Sejamos francos: o Brasil sumiu do radar. Parece que já faz muito tempo que o país encontrou naturalmente seu lugar no topo dos jornais, para melhor, durante a década de ouro do crescimento econômico estonteante (2003-2013), iniciada com a ascensão de Lula ao poder, e para pior, durante a década sombria (2014-2024), que viu uma sucessão de recessões históricas, escândalos de corrupção, a demissão da presidente Dilma Rousseff e o mandato absurdo de Jair Bolsonaro. Em um mundo brutal, os olhos agora estão voltados para Washington, Gaza, Kiev, Istambul ou Damasco.

No entanto, seria errado desviar os olhos do Brasil tão rapidamente. Não só pelo peso demográfico e econômico deste gigante latino-americano ou pela importância crucial da Amazônia na luta contra o aquecimento global, mas também e sobretudo porque seus recentes desenvolvimentos políticos e jurídicos têm muito a ensinar ao mundo, e em particular aos franceses, em um momento de condenação da líder do Rally Nacional, Marine Le Pen, e da crescente influência da extrema-direita.

Desde 26 de março, Jair Bolsonaro é oficialmente processado por tentativa de golpe de Estado. Acusado de ter tentado, no final de 2022, ignorar os resultados da eleição presidencial, ele teria então preparado um decreto de estado de emergência e cogitado o assassinato de seu sucessor, Lula. São fatos de uma gravidade sem precedentes, que deverão ser julgados em poucos meses, e que podem lhe render até quarenta e três anos de prisão.

Mas a questão vai muito além do caso Bolsonaro. No final de fevereiro, o Ministério Público brasileiro recomendou o indiciamento de outras 33 figuras suspeitas de terem participado da organização do golpe. Entre eles estão 24 militares, incluindo seis generais e um almirante naval. Vários, como o general Walter Souza Braga Netto, ex-ministro da Defesa e ministro da Casa Civil, foram membros do governo Bolsonaro.

O significado histórico deste ato deve ser medido. No Brasil, o exército saiu ileso de vinte e um anos de ditadura (1964-1985), que viu o assassinato de centenas de pessoas e a tortura de mais de 20.000 opositores reais ou supostos. Adotada em 1979, a lei de anistia permitiu que capangas e autoridades do regime escapassem de processos. Desde então, nada conseguiu abalar esse texto iníquo, nem mesmo a Comissão Nacional da Verdade (2011-2014), que deveria lançar luz sobre os crimes da junta.

Firmeza diante das redes sociais

Mas em sua ofensiva, a justiça foi muito além dos líderes militares. Desde 2023, o Supremo Tribunal Federal condenou mais de 500 pessoas que participaram do vandalismo contra instituições de Brasília em 8 de janeiro de 2023, ou que o incitaram ou financiaram. Acusados ​​de terem tentado semear o caos naquele dia para forçar o exército a intervir e lançar um golpe de estado, eles receberam sentenças de até dezessete anos de prisão. Pelo menos outros 1.000 casos ainda precisam ser julgados ​​pelos magistrados.

Os juízes de Brasília também demonstraram firmeza diante das redes sociais. Em 2024, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, determinou a suspensão por trinta e nove dias da plataforma X, de Elon Musk, acusada de disseminar massivamente informações falsas. Ele fez o mesmo em 2022 e 2023 com o serviço de mensagens criptografadas Telegram. “As redes sociais foram transformadas em instrumentos a serviço de uma ideologia nociva, o fascismo“, declarou ele sem rodeios em um discurso em 24 de fevereiro.

Não são apenas os juízes que estão preocupados. Garantidor da Constituição, o presidente Lula não hesitou em levantar a voz contra Donald Trump, suspeito de interferir nas instituições democráticas brasileiras. O presidente americano está “tentando se tornar o imperador do mundo!”, disse ele indignado em uma entrevista em 20 de fevereiro, pedindo ao seu homólogo que “respeitasse a soberania de cada país“.” Não há necessidade de Trump gritar comigo lá [em Washington]. Aprendi a não me intimidar com pessoas que parecem ameaçadoras. Fale comigo com calma, fale comigo com respeito, porque eu aprendi a respeitar as pessoas e quero ser respeitado!“, disse ele em um discurso sem restrições em 11 de março.

Lula finalmente respondeu com veemência às tarifas impostas por Donald Trump sobre produtos importados pelos Estados Unidos. Em 2 de abril, a Câmara dos Deputados aprovou a chamada lei da “reciprocidade”, que autoriza o Brasil a adotar medidas de retaliação comercial em resposta a quaisquer ações estrangeiras que ameacem sua competitividade. “Somos um país que não tolera ameaças (…) e tomaremos todas as medidas cabíveis para proteger nossas empresas e trabalhadores”, anunciou o presidente brasileiro. Uma firmeza rara para um país teoricamente localizado no “quintal” americano.

Marcadas por duas décadas de ditadura e escaldadas pelo mandato de Jair Bolsonaro, as instituições parecem ter se dado conta das ameaças que pesam sobre a jovem república brasileira, proclamada em 1989. Longe do silêncio e das acomodações que caracterizam muitas capitais europeias, Brasília decidiu falar sem rodeios com Donald Trump e responder com firmeza às tendências golpistas de seus discípulos locais.

Obviamente, tudo isso não está isento de nuances e questionamentos. No Brasil, o Congresso continua dominado por partidos ultraconservadores, oportunistas ou corruptos, que provavelmente não hesitariam em vender sua democracia ao maior lance. A mobilização nas ruas continua fraca, como demonstrou a manifestação organizada no dia 30 de março pela esquerda em São Paulo a favor da prisão de Jair Bolsonaro, que reuniu apenas 6.600 pessoas. Muitos especialistas jurídicos estão preocupados com o peso dos juízes no equilíbrio dos poderes.

Mas nestes Tempos Selvagens (título de um livro do escritor hispano-peruano Mario Vargas Llosa dedicado ao golpe militar organizado pelos Estados Unidos na Guatemala em 1954), o Brasil está se tornando um exemplo, um adepto de uma “democracia lutadora” ao estilo alemão, protegendo-se ativamente contra as forças que buscam destruí-lo. Em muitos aspectos, é hoje um laboratório, ainda que imperfeito, da luta pela defesa da democracia. Os franceses fariam bem em se inspirar nisso.

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Last Update: 12/04/2025