Borzeguim, codeguim

por Heraldo Campos

A gente vai ficando velho e a memória costuma falhar. A fé não! Quando morei e estudei em Rio Claro (SP), nos anos 70 do século passado, tive algumas botinas caipiras que aprendi que se chamavam borzeguim. Na dúvida, fui ao bom e velho “Aurélio”, de capa dura e folhas despregando devido ao uso e ao tempo, que diz que borzeguim é uma “botina cujo cano é fechado com cordões”. Procurado no “irmão” do “Aurélio”, o dicionário “Houaiss”, o borzeguim aparece como sendo uma “espécie de bota ou botim fechado à frente por cadarço”. 

Os vários “borzeguins” que usei ou “sapatão”, como também era conhecido esse tipo calçado pelo interior paulista, não tinham cadarço e o ajuste nos pés era através de uma banda de elástico na altura do tornozelo e, não raras vezes, confeccionados sob medida em sapataria artesanal.

Alguns deles, com solado de couro, rangiam igual um carro de boi na estrada. Outros, com solado de pneu, duravam muito, até enjoar. Esses bons “pisantes” eram excelentes para trabalhos de campo e, porque não dizer, para bons momentos de andadas pela capital paulista, com destino ao Cine Bijou, na Praça Roosevelt, para assistir filmes de arte na antiga São Paulo da garoa.

Por outro lado, codeguim não encontrei nos verbetes dos famosos e respeitados dicionários e precisei apelar na procura pela internet onde aparece que é um “embutido de origem italiana, feito de carne e pele de porco”. Lembra-se que essa preciosa iguaria pode ser cozida junto com um feijão fradinho, tem muita sustança e levanta até defunto.

E, por incrível que pareça, a última vez que comi essa linguiça italiana, comprei num atacadista na cidade de Guaratinguetá, no Vale do Paraíba (SP) e tendo me sobrado desses velhos tempos um bom canivete pica fumo, sempre pendurado na cinta (para a calça não cair), para descascar laranjas e cortar capim-cidreira quando encontrado em algum terreno baldio.

As lembranças desse período, tanto para o borzeguim (botina caipira) como para o codeguim (linguiça italiana), lá se vão perto de uns quarenta anos ou mais, quando não existiam as bigtechs, as fintechs, e outras invasoras, para atormentar a vida das pessoas nesse mundinho globalizado, muitas vezes cruel e responsável pelas perdas das características regionais  dos povos que sempre viviam com coisas simples e prosaicas. 

Em tempo: tem uma canção do Tom Jobim de 1995 chamada “Borzeguim” que, aparentemente, se refere a uma fruta do mato. A conferir, a existência de fruta, com esse nome.

Oé oé, faz o carro de boi na estrada / Oé oé, faz o carro de boi na estrada / Bota pouca carga mas rica carga / Pois o boi nem o carro são de carga / O boi e o carro são de estimação / Preparar eles para exposição / Não esquecendo de passar carvão na roda /
Nem de lavar o carro, nem de enfeitar o boi / Pois eu quero ver o boi mugir e o carro cantar / Pois eu quero ver o boi mugir e o carro cantar” – trecho da canção “Oé oé (Faz o carro de boi estrada)” de Jorge Ben Jor do ano de 1981.

Heraldo Campos é geólogo (Instituto de Geociências e Ciências Exatas da UNESP, 1976), mestre em Geologia Geral e de Aplicação e doutor em Ciências (Instituto de Geociências da USP, 1987 e 1993) e pós-doutor em hidrogeologia (Universidad Politécnica de Cataluña e Escola de Engenharia de São Carlos da USP, 2000 e 2010).

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Last Update: 03/03/2025