O presidente do Chile, Gabriel Boric, enviou ao Congresso um projeto de lei que propõe a descriminalização do aborto até a 14ª semana de gestação em qualquer circunstância.

A medida, anunciada no domingo, 1º, durante seu último discurso anual à nação, marca uma tentativa de resgatar compromissos de campanha em seus últimos meses de governo.

O projeto gerou reação imediata dentro e fora do país. No Parlamento, parlamentares que defendem os direitos reprodutivos agitaram lenços verdes e roxos enquanto a proposta era apresentada.

“Gerações de mulheres viveram e lutaram por isso. Não lhes neguem ao menos o debate democrático como cidadãs capazes de decidir por si mesmas”, declarou Boric.

Parlamentares da oposição reagiram deixando o plenário e gritando “Não ao aborto!”. Um dos que abandonaram o local foi Johannes Kaiser, deputado de extrema direita e pré-candidato à presidência. “Por que [Boric] insiste em saber que não tem os votos? Por quê? Para nos insultar”, afirmou Kaiser a jornalistas após a sessão.

Atualmente, o aborto no Chile é permitido apenas em três casos: risco de vida para a gestante, inviabilidade fetal e gravidez decorrente de estupro. A proposta de Boric ampliaria esse escopo, aproximando a legislação chilena da de países vizinhos como a Argentina, que legalizou o aborto até a 14ª semana em 2020.

Entretanto, a tramitação da proposta enfrenta obstáculos políticos. Com baixa adesão no Congresso, o projeto pode não avançar antes do fim do mandato de Boric.

Segundo pesquisa divulgada na segunda-feira, 3,  pelo instituto Abamostra, apenas 25% da população apoia a legalização nos termos propostos. Outros 55% preferem manter a legislação atual, e 19% são favoráveis à proibição total.

O projeto surge em um momento em que o governo tenta recuperar a base progressista que o elegeu. Medidas como uma reforma tributária ampla e a promulgação de uma nova constituição foram derrotadas ao longo do mandato. A proposta de descriminalização do aborto pode se tornar o último esforço de Boric para consolidar um legado de esquerda antes das eleições de novembro, que definirão o novo presidente e a composição do Congresso.

O cenário político também é influenciado por movimentos em países vizinhos. Na Colômbia e no México, decisões recentes do Judiciário e do Legislativo expandiram os direitos reprodutivos. No sentido oposto, o presidente argentino Javier Milei tem adotado medidas restritivas. Ele reduziu recursos públicos para métodos contraceptivos, incluindo a chamada “pílula do dia seguinte”.

“As políticas demográficas devem ser repensadas para além da atrocidade de matar seres humanos que se desenvolvem no útero de suas mães”, escreveu Milei em artigo de opinião.

Embora Milei tenha centrado sua atuação no combate à inflação, os resultados de uma votação recente em Buenos Aires indicam que sua base de apoio pode crescer nas eleições legislativas de meio de mandato, o que pode abrir caminho para uma agenda socialmente mais conservadora.

Para Constanza Schonhaut, diretora da organização de direitos humanos Corporación Humanas, o debate sobre o aborto está cada vez mais internacionalizado. “O que acontece no Chile pode influenciar outros países e vice-versa”, disse. “Em um mundo cada vez mais conectado, não são apenas as organizações feministas que se coordenam internacionalmente.”

No Chile, a proposta deve impulsionar os debates eleitorais. A oposição conservadora vê no projeto um ponto de mobilização de suas bases. A esquerda, por sua vez, tenta usar o tema para recuperar o apoio de setores que se frustraram com os recuos do governo em promessas anteriores.

A depender do andamento do projeto no Congresso, o aborto poderá se tornar um dos principais temas da campanha presidencial. A proposta de descriminalização, mesmo com poucas chances de aprovação imediata, pressiona os pré-candidatos a se posicionarem sobre o tema.

O governo não indicou uma data para votação do texto. Segundo interlocutores do Palácio de La Moneda, o projeto poderá ser debatido ainda neste semestre em comissões legislativas.

Apesar da resistência expressa no Parlamento, a proposta acentua a polarização em torno de temas sociais no país. Com o encerramento do mandato de Boric se aproximando, o debate sobre o aborto pode servir de termômetro para a disputa eleitoral que definirá os rumos do Chile a partir de 2026.

Com informações da Reuters

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Last Update: 05/06/2025