O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) decidiu não adotar técnicas de preparação midiática para o depoimento que deve prestar ao Supremo Tribunal Federal (STF) nesta semana.
A oitiva está vinculada ao inquérito que apura uma possível tentativa de golpe de Estado com o objetivo de impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
A decisão foi confirmada por um integrante da equipe jurídica do ex-mandatário à jornalista Mônica Bergamo, da Folha de S.Paulo. Segundo o relato, Bolsonaro “é indomável” e confia na própria capacidade de enfrentar a audiência sem necessidade de simulações, orientações de postura ou ajustes de comunicação.
A técnica, utilizada por réus e figuras públicas em investigações de grande visibilidade, consiste na realização de treinamentos específicos com profissionais de comunicação.
O processo simula interrogatórios para preparar o depoente em relação a conteúdo, postura corporal e controle emocional, orientando desde o tom de voz até gestos e expressões faciais.
Apesar das recomendações comuns nesse tipo de situação — como manter contato visual com os interlocutores, usar gestos controlados e evitar comportamentos que possam ser interpretados como distração ou insegurança — Bolsonaro optou por não seguir essa abordagem.
De acordo com a apuração, ele tem mantido encontros reservados apenas com os advogados responsáveis pela sua defesa.
Nos dias 6 e 7 de junho, Bolsonaro participou de reuniões com seus representantes legais no escritório do advogado Celso Vilardi, localizado em São Paulo. Também estiveram presentes os advogados Paulo Cunha Bueno e Daniel Tesser, além de outros integrantes das equipes jurídicas envolvidas no caso.
A convocação do ex-presidente ocorre no contexto das investigações conduzidas pelo STF a partir do inquérito que trata da suposta existência de uma organização criminosa com o objetivo de promover a ruptura institucional no país.
Bolsonaro é investigado por tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, dano qualificado ao patrimônio da União e manipulação de bem tombado.
O depoimento do ex-presidente está previsto para ocorrer na terça-feira (10) ou quarta-feira (11), conforme a ordem definida pela Polícia Federal. Nesta fase do inquérito, outras seis pessoas também prestarão depoimento.
Os interrogatórios começaram nesta segunda-feira, 9, com o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, que firmou acordo de colaboração premiada com a Polícia Federal e apresentou declarações que implicam diretamente o ex-presidente.
A sequência de oitivas seguirá a ordem alfabética dos investigados. Após Mauro Cid, está programado o depoimento de Alexandre Ramagem, atual deputado federal e ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin).
Em seguida, serão ouvidos o almirante de esquadra Almir Garnier Santos, ex-comandante da Marinha, e o general da reserva Augusto Heleno, que chefiou o Gabinete de Segurança Institucional durante o governo Bolsonaro.
Na sequência de Ramagem, Garnier e Heleno, está previsto o depoimento do ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira e, por fim, do general Walter Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil e ex-candidato a vice-presidente na chapa de Bolsonaro nas eleições de 2022.
O inquérito conduzido pelo STF integra um conjunto de apurações sobre os atos de 8 de janeiro de 2023, quando as sedes dos Três Poderes foram invadidas por manifestantes. As investigações apontam para a possível articulação de militares e ex-integrantes do governo com o objetivo de impedir a transição democrática e manter Bolsonaro no poder.
Além dos depoimentos presenciais, os investigados foram notificados a apresentar documentos e dados solicitados pela Polícia Federal. A expectativa é de que os esclarecimentos obtidos nesta fase contribuam para a finalização do relatório técnico que será entregue ao ministro Alexandre de Moraes, relator do caso no STF.
O avanço das oitivas ocorre em paralelo a outras frentes da investigação que envolvem análise de comunicações interceptadas, documentos apreendidos em operações de busca e apreensão e colaborações premiadas homologadas pela Corte.
A recusa de Bolsonaro em participar de simulações de interrogatório ou treinos de preparação é interpretada por sua defesa como uma estratégia de confiança em sua versão dos fatos. No entanto, o posicionamento também repercute entre especialistas que acompanham a investigação e destacam a importância de preparação técnica em casos de alta complexidade jurídica e repercussão institucional.
O depoimento do ex-presidente será conduzido por investigadores da Polícia Federal em local ainda não divulgado, com supervisão do STF. Após o encerramento da fase de oitivas, caberá ao relator definir os próximos passos do inquérito, que pode resultar no oferecimento de denúncia à Procuradoria-Geral da República ou no arquivamento das acusações, conforme as provas reunidas no processo.