Ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro (PL), o tenente-coronel Mauro Cid afirmou em delação premiada que partiu do então presidente o interesse de monitorar o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, em dezembro de 2022. As afirmações foram dadas em depoimento à Polícia Federal em março do ano passado, mas só vieram a público nesta quarta-feira 19.
O material embasou a denúncia da Procuradoria-Geral da República contra Bolsonaro e mais de 30 pessoas no inquérito do golpe. O ex-presidente é acusado de liderar uma organização criminosa que planejava dar um golpe de Estado após a derrota para Lula (PT) para se manter no poder. Ele nega as acusações e diz ser alvo de perseguição política.
Segundo o militar, o então mandatário queria monitorar um encontro do general Hamilton Mourão (Republicanos-RS) com ministro do STF. A delação aponta que Bolsonaro tinha a informação de que Mourão, à época vice-presidente e hoje senador, iria se reunir com Moraes em São Paulo. Por isso, queria verificar se aquela informação era verdadeira.
Cid afirmou não saber de outros motivos para o interesse do presidente no magistrado, àquela altura já escolhido como alvo dele pela condução de investigações contra seus aliados. O ex-ajudante de ordens relatou apenas que o monitoramento foi executado pelo coronel do Exército Marcelo Câmara, que não teria informado como conseguia as informações sobre as viagens e a localização do ministro.
“Considerando o fato de que o monitoramento começou no dia 15.12.2022 e se estendeu até o final do ano de 2022, indaga-se qual seria o outro objetivo da ordem de monitoramento dada pelo então Presidente da Republica Jair Bolsonaro ao colaborador (Mauro Cid), respondeu que desconhece; que o então Presidente não passou ao colaborador o motivo”, registrou a PF no termo de audiência.
Antes disso, o ministro do STF havia sido monitorado a pedido dos coronéis Oliveira e Ferreira Lima, que, junto com o general Walter Braga Netto, traçaram planos para provocar o caos social e abrir espaço para a decretação de estado de sítio ou de defesa.
Mesmo tendo participado da reunião na casa do general em que essas ações foram discutidas, Cid disse não haver feito ligação desse fato com a possibilidade de prisão de Moraes. “O colaborador esclarece que essa compartimentação das etapas de uma operação faz parte do protocolo das Forças Armadas e nada mais específico foi dito quando pediram, no dia 16 de dezembro, a localização desse Ministro Relator”, diz o relato do depoimento do militar.
O documento não cita o plano para assassinar Moraes, o presidente Lula e seu vice Geraldo Alckmin. As investigações revelaram em novembro passado que a articulação golpista previa ainda capturar os três para reverter o resultado das eleições daquele ano – segundo a PF, militares das Forças Especiais – os chamados kids pretos – chegaram a rastrear o trajeto do ministro por Brasília.
A delação de Cid, porém, não fez referência a esse caso. Moraes era identificado com o codinome de “professora” em mensagens trocadas entre Cid e Câmara, em dezembro de 2022, por isso os questionamentos da PF sobre o monitoramento do magistrado.
Outra afirmação do militar que liga diretamente Bolsonaro diz respeito à minuta golpista que previa a realização de novas eleições e a prisão de Moraes e do ministro Gilmar Mendes, também ministro do STF, além do então presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
O documento teria sido entregue ao então mandatário por Filipe Martins, ex-assessor de Assuntos Internacionais da Presidência, em novembro de 2022.
Bolsonaro, então, leu o rascunho, fez alterações e manteve apenas a prisão de Moraes e a realização de um novo pleito. O texto determinava as prisões de Moraes, Gilmar e Pacheco, além de “outras autoridades que de alguma forma se opunham ideologicamente ao ex-presidente”, e também “decretava novas eleições”. Segundo o delator, o documento “não dizia quem iria fazer, mas sim, o que fazer”.
Cid ainda contou que ficou sabendo sobre o texto por Martins, que lhe mostrou o documento impresso e de forma digital para que fossem feitas as correções. O então auxiliar da Presidência demorou alguns dias para fazer as alterações. Após isso, relatou o tenente-coronel, “o presidente concordou com os termos ajustados e em seguida mandou chamar, no mesmo dia, os generais”.
Os generais mencionados por Cid seriam os chefes da Marinha, Almirante Garnier; do Exército, Freire Gomes; e da Aeronáutica, brigadeiro Batista Júnior. O delator afirmou que participou da reunião “operando a apresentação no computador”. Bolsonaro apresentou aos comandantes das Forças os fundamentos do decreto, “sem mostrar as ordens a serem cumpridas”.
De acordo com o relato, o então presidente queria saber como os comandantes viam a conjuntura política e apurar se havia clima para dar andamento ao seu projeto de permanecer no poder. As investigações da PF revelaram que os três foram pressionados para aderir à empreitada, mas apenas Garnier colocou suas tropas à disposição.
Na reunião, Freire Gomes teria ameaçado prender Bolsonaro caso ele avançasse com o plano.