O homem que não quis!

por Luís Carlos

É com surpresa zero que assistimos a mídia minimizando os conteúdos dos áudios que a PF recuperou dos telefones dos militares golpistas. Analistas põem em dúvida a participação de Jair Bolsonaro no plano de assassinar “João”, “José” e “Jorge” para em sequência abolir violentamente o estado democrático de direito.

Os fatos que colocam Bolsonaro na cena do crime são tratados como hipóteses. “O suposto áudio diz que o ex-presidente teria conhecimento do golpe”. Não existe essa suposição porque o áudio é real e as vozes dos envolvidos dizem claramente que estiveram com o presidente, que se reuniram com ele para tratar da assinatura do decreto do golpe.

Mário Fernandes, general envolvido no plano golpista, diz em um dos áudios: “Tá na cara que houve fraude, porra. Tá na cara, não dá mais pra gente aguentar esta porra, tá foda, tá foda. E outra coisa, nem que seja pra divulgar e inflamar a massa. Pra que ela se mantenha nas ruas, e aí sim, porra, talvez seja isso que o alto comando, que a defesa quer. O clamor popular, como foi em 64”.

General reformado, Mário Fernandes foi assessor do deputado federal Eduardo Pazuello (PL-RJ) e ministro interino da Secretaria-geral da Presidência da República no governo de Bolsonaro.

Em outro áudio Mário Fernandes disse que conversou com Bolsonaro sobre a diplomação da chapa Lula e Alckmin, marcada para 12 de dezembro de 2022 no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). “Durante a conversa que eu tive com o presidente, ele citou que o dia 12, pela diplomação do vagabundo, não seria uma restrição? Qualquer ação nossa pode acontecer até 31 de dezembro. Tudo. Mas aí na hora: pô, presidente. A gente já perdeu tantas oportunidades”, mostra o áudio.

Esses são alguns das dezenas de áudios de militares de alta patente gravados entre setembro e dezembro de 2022, que constam no relatório da PF que serviu de base para a Operação Contragolpe, deflagrada na última terça-feira, 19. O plano, que teve a participação de Bolsonaro, foi impresso em papel timbrado da Presidência da República na impressora de um gabinete dentro do Palácio do Planalto.

Em outro áudio um oficial do exército disse para Mário Fernandes: “O senhor me desculpe a expressão, mas quatro linhas é o caralho. Quatro linhas da Constituição é o caralho. Nós estamos em guerra, eles estão vencendo, está quase acabando e eles não deram um tiro por incompetência nossa”. Essa mensagem se referia a recusa de Bolsonaro em assinar o Decreto do golpe que seria o start para a execução criminosa.

Jair Bolsonaro não assinou o Decreto porque esteve reunido com os comandantes da aeronáutica e do exército para tratar do golpe, mas foi surpreendido pelo general Marco Antônio Freire Gomes, que comandou o Exército durante o seu governo e que ameaçou o ex-presidente de prisão caso ele tentasse consumar o plano golpista.

A recusa de Bolsonaro, que para seus aliados foi covardia, foi motivada pelo medo de ser preso por Freire Gomes e não por uma suposta, aí sim, crise de consciência. Esse é um ponto pouco explorado pela imprensa porque coloca o inelegível no topo da organização criminosa da qual é o cabeça e beneficiário.

O esforço da mídia é tanto que não vai demorar para alguém associar a atitude de Bolsonaro a do Coronel Sérgio Ribeiro. “Sergio Macaco”, como era conhecido, se negou a cumprir ordens de seus superiores durante a ditadura militar para executar operação em 1968 que deixaria pelo menos 10 mil mortos no Rio de Janeiro, entre eles o cardeal D. Helder Câmara e o ex-presidente JK.

“Não, não concordo. E, enquanto eu estiver vivo, isso não acontecerá”. Estas teriam sido as frases ditas pelo capitão-paraquedista, que entrou para a história como “O homem que disse não”, tornando-se uma espécie de herói nacional.

O eufemismo usado por parte da imprensa para tratar dos crimes de Bolsonaro procuram suavizar sua participação na intentona golpista, como se a conspiração não encontrasse eco no seu passado sombrio e notório para quem acompanha a política carioca.

Luís Carlos, cientista político

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Last Update: 27/11/2024