Bolsonaro virou um contador de causos. Um dia conta que, se quisesse, poderia ter fugido do Brasil. No outro, que vai aceitar a cadeia e que até acorda pensando na manhã em que a Polícia Federal irá acordá-lo.
Conta que pode lançar Michelle à presidência e depois virar seu chefe da Casa Civil. Mas no outro dia diz que não tem nada negociado com Michelle e que os filhos podem sucedê-lo.
E vai contando histórias sem fim, sem pé nem cabeça, como se estivesse criando a sua caricatura de um Sherezade macho e trapalhão, meio aloprado, que se esforça para escapar do cerco da Justiça e da hora em que a PF irá bater à sua porta. Bolsonaro está desnorteado.
Já contou que, se voltasse a ser presidente, nunca mais teria tantos generais à sua volta. Que Mario Fernandes, o general acusado do plano do assassinato de Lula, Alckmin e Moraes, planejou algo improvável. Não porque seria um desatino, mas porque Moraes era cheio de seguranças.
Na semana que foi de Trump, Bolsonaro produziu uma manchete por dia em entrevistas a rádios, TVs, blogs, podcasts e tudo que pudesse assegurar audiência. Sempre recebendo tratamento de amigo dos entrevistadores.
Aparentemente, haveria um método na produção de causos confusos, que incluem até a notícia de que lançaria uma criptomoeda, como Trump fez pouco antes de assumir.
A notícia do bolsocoin foi desmentida por Carluxo, sob a alegação de que uma conta do pai nas redes sociais havia sido invadida. Mas logo depois bolsonaristas que entendem de dinheiro anunciaram e criaram mesmo a patriotacoin.
O que tudo isso revela é que a extrema direita se diverte com as suas mil e uma noites de impunidade, aqui e nos bailes da vida de Washington. Divertem-se enquanto os brasileiros deportados por Trump chegam algemados e acorrentados.
Até o dia em que for preso, Bolsonaro pretende investir num truque que tem suas qualidades: inventar histórias, propor roteiros sem fim, enrolar e dar algum sentido até mesmo literário ao seu drama.
Bolsonaro está tentando ganhar tempo, com as muitas versões possíveis para o que pode acontecer com ele e o seu entorno, porque assim nos mantém hipnotizados pela sua oralidade criativa.
Todas as declarações dele essa semana saíram em alto de página e foram transformadas em pautas trabalhadas com afinco e seriedade pelos jornalões.
O jornalismo hegemônico leva Bolsonaro a sério, porque não surgiu ainda outra figura capaz de substituí-lo no papel de chefe do antilulismo.
Globo, Folha e Estadão dependem de Bolsonaro, até os 52 minutos da prorrogação, para que continuem batendo em Lula e no governo e ameaçando a todos com o véio do saco.
Enquanto usam Bolsonaro, tentam em desespero encontrar alguém que possa ocupar seu lugar, mesmo que na extrema direita, porque uma solução ao centro já é uma miragem irreversível.
Folha, Globo e Estadão pedem para a Sherezade que se instalou em Bolsonaro: pelo amor de Deus, conta mais.