Na noite deste 11 de setembro, o Supremo Tribunal Federal (STF) finalmente deu seu veredito e, após duas semanas de julgamento, condenou o ex-presidente Jair Bolsonaro pela tentativa de golpe de Estado, sentenciando o réu a 27 anos e três meses de prisão. Um resultado histórico que condena, pela primeira vez, um ex-presidente por tentar impor uma ditadura no país.

A Primeira Turma do STF conferiu igual destino aos outros sete réus que compunham o que as investigações da Polícia Federal definiram como o “núcleo duro” do golpismo. As sentenças superam, em geral, os 20 anos de prisão, à exceção do tenente-coronel e ex-ajudante de ordens Mauro Cid, beneficiado pela delação premiada com uma pena de apenas 2 anos em regime aberto.

Espera-se, agora, que a prisão ocorra até o final do ano. Mas ainda não está definido se Bolsonaro continuará no conforto de sua mansão, ou se será abrigado numa sala especial da Polícia Federal, ou se irá para a Papuda (infelizmente a alternativa menos provável).

Pouca, mas importante, surpresa

Desde o recebimento da denúncia e a transformação de Bolsonaro em réu, a expectativa era a de que Bolsonaro e seus comparsas fossem condenados e recebessem penas duras. Neste sentido, os dias do julgamento transcorreram sem grandes surpresas. A não ser pelo surpreendente voto do ministro Luiz Fux.

Se desde o início do julgamento Fux já demonstrava que não seguiria seus pares, ninguém esperava o teor de seu parecer. No decorrer da leitura de seu voto, que durou quase 13 horas, o ministro indicado pela então presidente Dilma, fez uma defesa de Bolsonaro mais contundente que o próprio advogado do golpista. Torceu e retorceu a lógica e os fatos para tentar mostrar a inocência de Bolsonaro, fez coro com o governo Trump para afirmar que há uma perseguição ao bolsonarismo e à “liberdade de expressão” no Brasil e, por fim, inocentou o líder da tentativa golpista, condenando apenas Mauro Cid e o general Braga Netto.

A contradição não foi, apenas, colocar a culpa no mordomo. Em março passado, Fux chancelou a condenação de mais de 400 pessoas no fatídico 8 de Janeiro de 2023, justamente por tentativa de golpe de Estado, entre outros crimes. Sem qualquer explicação, autorretratação ou o que quer que seja, agora Fux sustenta que nada aconteceu. O que se passa debaixo da vistosa peruca de Fux?

Ministro Luiz Fux Foto Rosinei Coutinho/STF

O voto do ministro não teve a intenção de, num primeiro momento, alterar o resultado do julgamento. Mas, sim, atiçar a base bolsonarista, municiar de argumentos a extrema direita e, num futuro próximo, viabilizar alguma manobra que possa garantir a anistia aos golpistas. Ao mesmo tempo, Fux vota olhando para 2026, quando um eventual candidato da extrema direita, uma vez empossado no Planalto, indicará três novos ministros alterando a atual correlação de forças no Supremo. Quem sabe, até uma vaga de Ministro da Justiça desse governo?

O que nos leva a outra importante reflexão. Se a condenação de Bolsonaro foi um revés para a extrema direita, ela hoje continua representando uma ameaça às liberdades democráticas. Uma sombra que paira sobre a classe trabalhadora e os setores mais oprimidos, principalmente diante do governo Lula que aplica uma política econômica neoliberal, com arcabouço fiscal e austeridade contra o povo, e, no cenário externo, o governo Trump que escala suas ameaças e chantagens na defesa de seu sabujo.

Tarcísio vai à guerra

Mesmo antes do anúncio da condenação de Bolsonaro, a extrema direita já disputava o espólio do bolsonarismo. Nessa briga, em que se engalfinham governadores como Zema (MG), Ratinho Jr (PR) e Ronaldo Caiado (GO), Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP) sai na dianteira como representante da ultradireita. E para receber as bênçãos do bolsonarismo, Tarcísio vestiu o figurino completo: Não só defendeu a anistia aos golpistas, mas se comprometeu a, uma vez no governo, indultar Bolsonaro e seus comparsas.

O discurso de Tarcísio no ato de 7 de Setembro na Avenida Paulista, ao lado da bandeira dos EUA, mostrou que o virtual candidato à Presidência mandou às favas qualquer tentativa de parecer moderado, como parte da burguesia e da imprensa tentava parecer. “Não existe uma ligação entre o 8 de janeiro e Jair Bolsonaro, não existe um documento, não existe uma ordem. Então, que história é essa? Como é que vão condenar uma pessoa sem nenhuma prova?”, discursou diante do ato que reuniu 40 mil pessoas. Repetindo Bolsonaro e seu já célebre discurso “acabou porra!”, Tarcísio ameaçou: “ninguém aguenta mais o que está acontecendo nesse país”.

Por trás das declarações de Tarcísio, do presidente do PL, Valdemar da Costa Neto, e demais bolsonaristas, e até da campanha pela anistia no Congresso Nacional, não está somente a defesa de Bolsonaro. Na verdade, nenhum deles perdeu o sono com a condenação do ex-presidente. O que fazem é manter a base da extrema direita ativa e mobilizada, com vistas a 2026. A partir daí continuar o projeto de onde Bolsonaro parou, implementando uma mudança do regime, corroendo as liberdades democráticas, e com apoio do governo Trump (o líder do imperialismo reconhecerá uma eleição que não tenha seu candidato como vencedor?).

Governo Lula favorece ultradireita

Presidente Lula durante reunião ministerial Foto: Marcelo Camargo Agência Brasil

O governo Lula, ao governar com e para a burguesia, inclusive com setores da extrema direita em seu governo, e ao não enfrentar a cúpula golpista das Forças Armadas, mantém latente o vírus do golpismo, que pode se reativar tão logo mude os ventos. Nem mesmo a excrescência do artigo 142, entulho da ditadura utilizado como justificativa para as Forças Armadas se arrogarem como “poder moderador”, o governo tem a disposição de mexer.

Mais do que isso, o governo Lula terceiriza o combate à extrema direita ao STF, uma instituição cuja finalidade se resume a proteger esse regime democrático-burguês, ou seja, representa os interesses dessa classe, como ficou bem nítido na recente legitimação do “trabalho intermitente”, uma forma de precarização do trabalho instituída na reforma trabalhista. Enquanto isso, o governo loteia cargos ao centrão e a políticos dessa mesma ultradireita, inclusive bolsonaristas, que conspiram permanentemente em favor de um projeto golpista.

No plano da política econômica, ao implementar uma política neoliberal de arcabouço fiscal, que impõe uma severa austeridade fiscal que retira recursos das áreas sociais para o pagamento da dívida aos banqueiros, e toda uma política de entrega do país ao capital estrangeiro imperialista (via privatização, PPP’s, etc.), o governo Lula continua pavimentando o caminho para a volta da extrema direita. Isso porque o fenômeno da ultradireita brota e se desenvolve no retrocesso social e econômico do próprio país, cada vez mais rebaixado na divisão mundial dos Estados. No reordenamento entre as disputas interimperialistas, o papel subordinado relegado ao Brasil é, cada vez, o de uma colônia exportadora de produtos primários e dominado pelas transnacionais.

A extrema direita brota como cogumelo no esterco do empobrecimento, precarização e superexploração fruto desse processo. Uma dinâmica aprofundada nos últimos 40 anos, e que o atual governo Lula segue. Por isso não é capaz nem de enfrentar as chantagens de Trump com o tarifaço, nem utilizando o mecanismo das retaliações, aprovadas pelo próprio Congresso Nacional. Pelo contrário, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, oferece as chamadas “terras raras” como moeda de troca ao imperialismo norte-americano.

Enfrentar o governo Lula para derrotar a extrema direita e o golpismo

O PT e o conjunto da esquerda parlamentar utilizam a ameaça da extrema direita como chantagem para apoiar o atual governo e sua política econômica. No entanto, é justamente essa política econômica que joga água no moinho da ultradireita. O bolsonarismo e a extrema direita só serão derrotados, de forma definitiva, revertendo e mudando as condições sociais e econômicas em que se apoiam e se perpetuam. E para isso, é necessário enfrentar, e derrotar, o governo Lula e a sua política econômica, enterrando de vez o arcabouço fiscal, revogando as reformas trabalhista e previdenciária, reestatizando as empresas entregues ao capital estrangeiro, suspendendo o pagamento da dívida aos banqueiros e estatizando, sob controle dos trabalhadores, as 200 maiores empresas transnacionais que mandam na maior parte da nossa economia.

Só a classe trabalhadora, organizada e de forma independente, pode, através de sua própria mobilização, derrotar essa política econômica do governo Lula e o imperialismo, e, consequentemente, a extrema direita. Estamos vendo isso agora com o tarifaço de Trump e a postura covarde e subserviente da burguesia nacional, sócia-menor do imperialismo. Tampouco dá para confiar num STF que defende esse regime dos ricos e que pode, tão logo mude a situação política, desdizer o que disse. A classe trabalhadora só pode confiar em suas próprias forças. Vale para o enfrentamento a Trump, vale para derrotar Bolsonaro, os golpismo e a extrema direita.

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Last Update: 13/09/2025